Os passarinhos sentavam nos fios dos olhos do homem quando o sol começava a se pôr, o céu brincando de aquarela no tempo de nascer o escuro. E mesmo após o desaparecer do astro, músculo nenhum se movia e o joelho não rangia. Ficava ali, sentado, encarando a eternidade como se o tempo fosse um pião. Na chuva, seu chapéu servia de poça e, desbotado, renascia com sua estaticidade ao refletir o arco-íris que saía da cabeça do velho, muitas vezes com o tempo nublado. O único suor nascia do piscar dos olhos, atividade que julgava importantíssima, não pelo aviso dos homens de jaleco branco de que “a lubrificação ocular é indispensável”, mas as lágrimas se acumulam quando se vê por muito tempo o real.
As crianças da pequena cidade pensavam que o velho do banco da praça era uma estátua rosada, quente ao toque e ao movimento. As pombas compartilhavam do mesmo sentimento. Não fosse a barba rala, aparada de três em três dias, o convencimento de que era obra de um artista de habilidade em demasia seria realidade para os que observavam. Nem mesmo os velhacos ousavam tentativas de adivinhar seu berço. O fato é que existia, imóvel, e isso bastava para a fagulha de curiosidade dos passantes.
Eram raros os movimentos para um possível ajuste de posição ao conforto do banco, e ainda mais raro um comentário de que se havia avistado sua altura ao se levantar para tratar de suas necessidades. As putas que ali rondavam de madrugada, com sua indiferença à pequenez, chegavam às casas gigantescas sem percepção – a mínima que fosse. Já as prostitutas lhe tentavam com lençóis, mas de nada adiantava, ainda que o desembolso parecesse justo aos ouvidos do velho. Seu custo – a não observação – era caro para ser perdido.
A cidade cantava coisas a respeito de loucuras possíveis, insanidade certa, desatenção óbvia, observação impura, pecado maldito, punição merecida, sólidas necessidades e tristeza latente. Os olhos do velho ignoravam os refrãos. Os ouvidos permaneciam mais atentos a oportunas perguntas: nunca ouvidas pela barulhenta análise de sua aparente face.
Certo dia, um viajante de longe trazia de mãos dadas um pequeno, nascido não há mais de 7 anos. Sabia mais sobre olhares do que os que conseguiam dar nós em gravatas e andar sobre saltos altos. Nos instantes em que o pai lhe buscava um picolé de morango, encarou o velho. Acompanhou seus olhos imóveis. Sentou-se ao seu lado e, com voz estridente, entoou a estrofe perdida:
– Por que é que o senhor fica aí parado, sem se mexer?
O pescoço do velho se virou sem dificuldade alguma.
– O poeta é o bicho que visita o cativeiro do homem.
O homem que não falava, mas que conhecia todas as palavras do mundo, então, levantou-se. Nunca mais foi visto. Os habitantes da cidade disseram que havia morrido – sem direito a flores no funeral. Já a criança afirmava, com toda a certeza, de que havia apenas ido comprar um picolé de morango.
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