.Projetos como Leia Mulheres, formados por um grupo de leitoras, estão se espalhando em diversas cidades do Brasil. Em São Paulo, a biblioteca pública Cora Coralina, inaugurada em 2015, é a primeira biblioteca feminista brasileira. Estas iniciativas têm contribuído para visibilizar a literatura produzida por mulheres, compartilhando leituras e circulando obras ainda pouco conhecidas.
Fazendo coro a estas propostas, o jornal Brasil de Fato organizou uma lista com sugestões de leitura para o ano de 2019, envolvendo autoras. São 12 livros de escritoras latino-americanas publicadas no Brasil nas últimas décadas, entre eles, quatro publicados em 2018. Confira:
Cartas para a minha mãe, de Teresa Cárdenas (Cuba)
Começamos o ano com a obra Cartas para a minha mãe, da escritora cubana Teresa Cárdenas. Este seu primeiro romance, de 1997, narra o processo de uma garota negra que escreve cartas para sua mãe, já morta, nas quais reflete sobre suas dores, emoções e desejos. Além de seu itinerário pessoal, vivendo na casa da tia, em um ambiente marcado pelo racismo.
Em uma entrevista, Cárdenas comenta que escreveu seu primeiro romance pensando em tantas meninas negras – a protagonista não tem nome –, em um ato de reivindicação da voz feminina negra, pouco presente nas letras cubanas, ainda que seja um país majoritariamente negro.
Da autora, também estão disponíveis no Brasil o romance Cachorro Velho, vencedor do Prêmio Casa de Las Américas em 2005, e sua obra de literatura infantil Mãe Sereia, todos publicados pela editora Pallas.
O corpo em que nasci, de Guadalupe Nettel (México)
Neste segundo romance da escritora mexicana Guadalupe Nettel, o único publicado no Brasil, a protagonista reconstrói seu próprio itinerário pessoal, revisitando sua infância, também a relação com o seu corpo e sexualidade, já na idade adulta, em interlocução com a sua analista.
Estas relações estão atravessadas pelo contexto político do México e da França – países nos quais viveu –, pelos anos que correspondem à sua infância e adolescência, entre 1970 e 1980, marcado por conflitos sociais no país, pela chamada revolução sexual, por golpes militares no continente e a emergência dos movimentos sociais, entre eles, o movimento feminista.
Garotas Mortas, Selva Almada (Argentina)
Publicado no Brasil em 2018 pela editora Todavia, o romance-reportagem da escritora argentina explora três crimes de feminicídios ocorridos no país, cujas vítimas são Andrea Danne, Maria Luísa Quevedo e Sarita Mundín, assassinadas na década de 1980, no momento de reabertura política do país, que corresponde ao período da adolescência da escritora.
Nesta obra, Selva Almada reconstrói essas vidas e mortes, a repercussão dos crimes e seu desdobramentos na vida cotidiana das famílias e das pequenas cidades onde viviam, a partir de sua perspectiva particular e estilo literário próprio, e também a partir da sua própria condição, a de mulher, única condição necessária para ser vítima deste crime.
Outra obra de Almada publicada no Brasil é o romance O vento que arrasa, de 2012 (Cosac Naify, 2015).
Um corpo negro, de Lubi Prates (Brasil)
Em seu terceiro livro, também publicado em 2018, os versos da poeta brasileira reconstroem as experiências vivenciadas a partir de um corpo poético feminino e negro, “no sol da América do Sul”, como diria a cantora Luedji Luna. Experiências estas marcadas também por deslocamentos: desde as heranças de suas antepassadas, trazidas à força para o Brasil durante a escravidão, até seus itinerários próprios pelo país e pelo continente sul-americano. Em um contexto marcado pela desigualdade racial e de gênero e seus estereótipos racistas construídos sobre o corpo das mulheres negras, Lubi Prates surge como uma das vozes de fôlego da poesia brasileira contemporânea.
Seus outros livros são coração na boca (Editora Multifoco, 2012, republicado pela Patuá, 2016) e triz (Patuá, 2016).
::: Leia Três poemas de Lubi Prates – publicados no blog de “Mulheres que escrevem”. Clique, aqui :::
Contra os filhos, de Lina Meruane (Chile)
O livro da escritora chilena publicado no Brasil também neste ano é um pequeno ensaio no qual a autora se debruça sobre a questão da imposição da maternidade à vida das mulheres, que afeta tanto aquelas que são mães quanto aquelas que não são.
Em um tom crítico, mas também bem humorado, Meruane reflete sobre o tema retomando as conquistas feministas de desmistificação da maternidade, tratando-a não mais como um “dom natural”, mas como um modelo político construído historicamente. Contra os filhos, título que soa a manifesto, é uma defesa da recusa da maternidade como uma das escolhas possíveis para as mulheres no século XXI.
Seu romance Sangue no olho (Cosac Naify, 2012), vencedor do prêmio Sor Juana Inés de la Cruz, também está publicado no Brasil.
Hot Sul, de Laura Restrepo (Colômbia)
Com uma vasta produção de quatorze livros publicados, a escritora colombiana circula no Brasil há quase três décadas. Sua obra mais recente, Hot Sul, de 2012 (lançada no Brasil em 2016), é um longo romance que tem como tema a migração, em especial a migração feminina, cujas protagonistas atravessam as fronteiras colombianas em busca do “sonho americano”.
Em uma das apresentações do romance, Restrepo afirmou que esta sua obra é “como o caminho da vida, tem de tudo, mas ao mesmo tempo mostra a força que as mulheres têm para lutar e sobreviver no mundo contemporâneo”.
Além desta obra, foram publicados no Brasil seus romances Doce companhia (Record, 1997), Delírio (Companhia das Letras, 2008), Heróis Demais (Companhia das Letras, 2009) e A noiva escura (Companhia das Letras, 2013).
Espaços íntimos, de Cristina Peri Rossi (Uruguai)
Único livro da escritora uruguaia publicado no Brasil, o livro de contos Espaços íntimos tem como tema – como indica o próprio título – a intimidade nas relações e espaços contemporâneos, devido às transformações tecnológicas, como o uso intenso de mídias sociais, mas também a mudanças na posição social das mulheres no século XXI.
Peri Rossi é poeta e romancista, e entre seus livros de poesia (ainda sem publicação no Brasil), estão Estrategias del deseo [Estratégias do desejo], que reúne poemas com a temática do erotismo e da homossexualidade feminina e Estado de exilio, poemas escritos no início da década 1970, em seus primeiros anos como exilada na Espanha, onde vive até hoje.
:::Leia quatro poemas de Cristina Peri Rossi traduzidos para a revista Azmina. Clique, aqui
Ifigênia, de Teresa de La Parra (Venezuela)
O romance Ifigênia, da escritora venezuelana Teresa de La Parra, publicado em 1923, ganhou uma edição especial brasileira em 2016 e é seu único livro publicado no país.
Com o subtítulo “diário de uma jovem que escreveu porque estava entediada”, a obra tem como protagonista uma jovem que regressa à Venezuela, seu país natal, após viver doze anos na França, e retrata as condições sociais das mulheres na sociedade caraquenha do início do século XX, na qual o destino certo das mulheres era o casamento e a vida restrita ao lar.
Ifigênia é considerada uma das obras precursoras do feminismo latino-americano, e Teresa de La Parra foi a primeira escritora a ingressar no Panteão Nacional da Venezuela, onde estão sepultados os restos dos personagens mais importantes da história do país.
Distância de resgate, de Samantha Schweblin (Argentina)
O romance de estreia da escritora argentina, publicado no país em 2014, chegou ao Brasil dois anos depois. Esta obra narra o sombrio cotidiano de uma comunidade rural cujas vidas estão envoltas na realidade do agronegócio.
Uma das protagonistas, Amanda, chega ao local como visitante e tenta proteger sua filha, Nina, após conhecer Carla e seu filho David, uma criança considerada sobrenatural após beber água contaminada por agrotóxicos.
Em uma atmosfera densa e insólita, Distância de resgate explora o tema da maternidade e o título pode ser interpretado como uma pergunta: existe distância segura entre as mulheres e seus filhos diante de uma ameaça tão poderosa e invisibilizada como o agronegócio?
De Schweblin, considerada uma das melhores escritoras contemporâneas da Argentina, também foi publicado no Brasil seu livro de contos Pássaros na boca (editora Benvirá, 2012).
O país das mulheres, de Gioconda Belli (Nicarágua)
A escritora nicaraguense Gioconda Belli é conhecida no Brasil principalmente por seus poemas e por sua atuação política durante a Revolução Sandinista, e tem dois romances traduzidos no nosso país, A mulher habitada (Record, 1992) e, o mais recente, O país das mulheres, de 2010, publicado pela editora Verus em 2011.
Nesta obra, a história do país fictício latino-americano Fáguas, governado pelas integrantes do Partido da Esquerda Erótica (PEE), é contada por sua presidenta, Viviana Sansón – vítima de um atentado –, em uma narrativa crítica e bem humorada sobre como poderia ser um país dirigido inteiramente por mulheres.
Jamais o fogo nunca – Diamela Eltit (Chile)
Publicado no Brasil em 2017, quando a escritora chilena veio ao país para participar da Feira Literária Internacional de Paraty (FLIP), Jamais o Fogo Nunca, seu romance de 2007, foi considerado pelo jornal El País um dos 25 melhores livros em língua espanhola dos últimos 25 anos.
Nesta obra, a protagonista é uma sobrevivente do regime militar, que recompõe fragmentariamente, no espaço do quarto compartilhado com seu marido, suas memórias da prisão, da tortura, estupro e da perda de um filho no período.
Essas experiências marcadas no corpo da personagem são as experiências de muitas mulheres vítimas da tortura nos regimes militares do continente. Como afirmou Nilcéa Freire, ex-ministra de Políticas para as Mulheres no Brasil: “Para fazer de uma mulher uma vítima de tortura é preciso não apenas que seu algoz retire dela toda a sua dignidade como ser humano, mas que estraçalhe a sua ‘humanidade feminina'”.
Também está publicado no país uma coletânea de texto da autora, A máquina Pinochet e outros ensaios (e-galáxia, 2017).
Árvore de Diana, de Alejandra Pizarnik (Argentina)
Com esta obra publicada pela Relicário Edições, junto com Os trabalhos e as noites, as poesias da escritora argentina chegam pela primeira vez ao Brasil em 2018, em uma edição bilíngue.
Árvore de Diana foi publicado no segundo ano de estadia da autora na França e em muitos de seus poemas a voz feminina se acerca ao silêncio e ao deslocamento que, para além da territorial, tem a ver com uma forma de estar no mundo em desacordo com as normas, como em um de seus poemas:
“um espreitar a partir da sarjetapode ser uma visão do mundoa rebleição consiste em olhar uma rosaaté pulverizar os olhos”
Seu conto A condessa sangrenta foi publicado no país em 2011 (editora Tordesilhas).
Reproduzido de Brasil de Fato / Vivian Fernandes
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