– Um texto de Rennata Orrico –
Foi numa manhã, cálida. Onde o tempo não te dava nenhum espaço para nenhum sentimento contrário à frustração de não se fazer comunicar.
Hoje sei que, mais vale a raiva conduzida do que o sentimento de inutilidade apregoado à depressão. Mais vale a pensa se revoltar com a situação de “chutar o pau da barraca”, num estrilo
Raivosa com tudo aquilo que estava acontecendo, disse: “Vocês acreditam mesmo que eu me levanto a cada manhã somente para castigar vocês”? Que digo a mim mesma: hoje tenho um plano, hoje eu pego o Fulano e o Sicrano! Hoje, eles não me escapam! Que durmo pensando em como “ferrar” com a vida de cada um aqui? Que entrei numa universidade com esta intenção? Eu não estou aqui para isso. Estou aqui por que me importo com vocês e meu desejo é que vocês sejam pessoas de sucesso a partir de agora!
Senti como se estivesse quebrando com as mãos o vidro de uma vitrine, e por ele, passou os sons da minha fala. Que vinham do ventre. Meu corpo vibrava. Pela primeira vez, ouviram a dor de sua inconformidade. A partir desse estrilo passei a existir.
Um pouco mais calma, porque a turma já fazia silêncio, pedi para que abrissem os cadernos e copiassem o cabeçalho do quadro, se dividissem em grupos para um trabalho que era criar um quebra-cabeça do sistema solar. Foi só o que rendeu a aula.
Na semana seguinte, estranhei o silêncio quando entrei na sala. Alguma coisa tinha acontecido, mas não sabia o que era ainda. Nessa aula falei sobre a horta da escola, ninguém sabia da existência de uma horta ali. Falei que naquela aula teríamos uma visita, era uma cientista. Pedi para que fossem gentis e educados com ela. Após a apresentação da Dona Judite, todos fomos conhecer a horta da escola, com papel e caneta para anotações do que tinham visto. Ali, colocaria em prática a iniciação de metodologia científica. Surpreendi-me com o entusiasmo de um aluno, que era geralmente o pivô de atritos. Logo iniciou a longa greve. Senti falta de todos eles.
Sentimento estranho para uma turma que não me aceitava. Consolei-me um pouco em saber que não era a única a ser rejeitada. Mas, não foi para isso que segui a carreira de docente, a rejeição não está nos meus sonhos.
Estou re-penso as didáticas. Será mesmo que é uma questão de didática ou postura docente? Mudamos os nomes para as mesmas ações? Metodologias Inovadoras ou Posturas Inovadoras? Em tudo isso implica atitude. Outro dia assisti ao filme “Comer, rezar e amar” (2010), e no mais ou menos no quito quadro do filme, ouvi o diálogo:
– Quando você resolveu ser mãe?
– Amiga, veja a caixa embaixo do da cama. (Ver se roupas de bebês). Guardei, até o momento em que Jhon resolveu ser pai. Ser mãe é como fazer uma tatuagem na cara! Precisa se comprometer inteiramente.
Foi nessa frase: “Ser mãe é como fazer uma tatuagem na cara. Precisa se comprometer inteiramente”, que me encontrei novamente. Na docência precisa-se comprometer literalmente, como uma tatuagem na cara. Depois disso, passei um tempo namorando em um papel a palavra “Docente”. Recriei nossa ligação com um novo significado DOCE – ENTE. Doce, de doçura de um ente. Quem é ente, é um ente querido. Tatuei essa palavra, ressignificada, doce ente. Essa é a minha palavra, que estava perdida. Diz Machado de Assis que todos nós temos uma palavra perdida e precisamos encontrá-la. Encontrei a minha.
Acredito que não faz mal ressignificá-la. Aprendi isso com um personagem de Fábio Yabu, o Apolinário (2013). Quem sabe, eu possa acrescentar significados para ela, já que a estrada que me apresenta é carregada de espinhos e flores, estradas de chão batido, aromas de casa, cheiros de mato, de infâncias, céus azuis e brisas bramadoras. Como não querer-me assentar sobre ela? Onde é prazeroso o sentar, parar, adormecer, correr, caminhar e dispersar-se nela!
Rennata Orrico é professora de Biologia da rede estadual de ensino. Vive em Matinhos, Pr. O texto foi publicado na revista Escrita 42.
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