Na Vila C, Região Norte de Foz do Iguaçu, famílias vivem às margens do Córrego Brasília, onde cultivam o vínculo com a natureza e a preservação ambiental. Há quase 30 anos morando no local, a matriarca Laíde Rufino dos Santos, 74 anos, acorda todos os dias antes de o Sol nascer para cuidar da horta, das aves e da água. O lugar, conhecido por Horta do Zé, de onde saem legumes e folhagens orgânicas para os moradores e pequenos mercados do bairro, está ameaçado por uma ordem de reintegração de posse. Em toda a área, com pouco mais de um alqueire, vivem 25 famílias em quatro diferentes chácaras. Quatro delas cuidam, voluntariamente, da limpeza do córrego, que chega ao Canal da Piracema, dentro da usina. O canal é fundamental para os peixes migradores alcançarem áreas de reprodução.
Videodepoimento
O espaço chegou a ter 200 famílias, em 2012, que acabaram removidas para outras moradias. Porém a família do pioneiro da horta, José João dos Santos, o Zé da Horta, é uma das que permanecem no local até hoje. José João trabalhou na empreiteira Itamon durante a construção de Itaipu. Falecido há quatro anos, vítima de câncer, ele morava na Vila C quando começou a cultivar verduras no terreno com autorização de um engenheiro da própria empreiteira. O excedente da colheita era vendido na obra.
Com o tempo, Zé passou a plantar arroz, milho e agrião, aproveitando a existência do banhado no terreno, além de frutas. De início, montou um barraquinho, mas o gosto pelo contato com a natureza e a terra acabou levando-o a morar no lugar. Quando deixou o trabalho na empreiteira, a horta já estava estabelecida. Hoje, o espaço, também conhecido como Horta da Laíde, produz 13 tipos de verduras e legumes. “Nós estamos aqui há 30 anos, e isso foi a vida do meu pai”, diz Maria Serati dos Santos, uma das filhas do Zé e da Laíde. Originária da comunidade quilombola de São Miguel do Iguaçu, a família está habituada a cuidar do terreno e não se incomoda em limpar com frequência o Córrego Brasília, ao qual constantemente chegam entulhos e lixo após as chuvas. “Aqui é minha vida”, conta Laíde.
A atitude dos moradores é exemplo de preservação ambiental e serve de inspiração para estudantes da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e do Centro Universitário UniAmérica. “Nós não temos na cidade nenhum outro lugar com um trabalho de educação ambiental e limpeza”, informa a professora do curso de Arquitetura da Unila Cecília Angileli, responsável pela Escola Popular de Planejamento da Cidade. Para ela, há alternativas para a família além da remoção. Recentemente, uma reunião foi realizada entre a prefeitura, Fozhabita (Instituto de Habitação de Foz do Iguaçu) e Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. A Escola Popular fez uma proposta à prefeitura de cessão de uso como moradia e trabalho para as famílias não perderem o vínculo com a terra. O projeto foi recebido pela diretora-superintendente do Fozhabita, Elaine Anderle. Ela afirma ter encaminhado o material elaborado pela Unila e UniAmérica à Procuradoria-Geral do Município para análise. A ideia é que seja suspensa a remoção das quatro famílias, mantendo apenas a transferência das outras 21, que estão de acordo com a mudança. A ideia é aproveitar a estrutura da horta no futuro projeto turístico. “É uma luz no fim do túnel para as famílias permanecerem no local”, observa. Elaine explica que o edital para a construção das moradias visando a transferir as famílias, a uma área da própria Vila C, está mantido. Caso sobrem algumas casas, outras pessoas serão beneficiadas. No dia 18 de dezembro do ano passado, as famílias receberam da 2ª Vara da Fazenda Pública uma ordem para deixar o local. A iniciativa partiu da prefeitura, proprietária do terreno, com base na legislação que não permite a moradia em área de preservação permanente. Um relatório foi encaminhado à Defensoria Pública, que posteriormente entrou com pedido de defesa.
Nota da Itaipu Binacional
A área aludida é de Preservação Permanente (APP), está localizada às margens do Córrego Brasília, pertencia à Itaipu e foi doada para a Prefeitura de Foz do Iguaçu. Foi invadida há vários anos e ali foram irregularmente construídas algumas casas.A legislação determina que as APPs não podem ser habitadas ou conter edificações, devendo ser mantidas as condições ambientais naturais. Atualmente esta ocupação inclui 21 famílias que vivem na beira do rio e mais quatro que já se encontram nela há mais de 30 anos e cultivam um plantio orgânico denominado Horta do Zé. Em cumprimento à lei, a Prefeitura de Foz, proprietária atual da área, solicitou à justiça a reintegração de posse, ao mesmo tempo em que continua a promover a recuperação ambiental da área e busca outras soluções jurídicas para o problema das quatro famílias que ocupam a área há mais de 30 anos.Uma das soluções é a construção de casas para as famílias que se encontram na APP.Em negociação com a Itaipu, ficou acordado que a empresa iria mobilizar recursos para a construção de 21 casas para a realocação das famílias para outra área na Vila C, ficando a Prefeitura com a contrapartida de construir mais quatro casas, acomodando todas as famílias que se encontram na área. O processo de licitação para a construção dessas casas já está em andamento, sob responsabilidade da Prefeitura. Além disso, a Itaipu também está revitalizando o calçamento e, em conjunto com a Prefeitura, promovendo a recuperação ambiental da área.Além de a área ocupada ser considerada APP, as nascentes do Córrego Brasília, localizadas na divisa entre os bairros Vila C Velha e Vila C Nova, deságuam no Rio Bela Vista. Este rio integra o complexo do Canal da Piracema, com grande relevância ambiental, pois permite a migração de peixes entre os trechos a jusante da usina e o reservatório da Itaipu e, ainda, abastece o Canal Itaipu, onde ocorre a prática da canoagem slalom do Projeto Meninos do Lago e o treinamento de equipe olímpica brasileira da modalidade.Desde 2004 a Itaipu, por meio da Diretoria de Coordenação, em parceria com a comunidade local e a Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu vem desenvolvendo ações plantio de árvores nativas, a recuperação de nascentes e o saneamento ambiental da área.
____________________________H2Foz / Texto: Denise Paro / Fotos: Marcos Labanca
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