Fotomontagem de Jornal da USP sobre foto de Marcos Santos/USP Imagens
Imagine uma cidade com 100 mil habitantes se deslocando, diariamente, a destinos comuns e cotidianos: escola, trabalho, atividades religiosas, atendimentos médicos e atividades de lazer, entre outros, inclusive utilizando ou não o transporte público. Em tempos de pandemia, como vivemos atualmente, é possível estimar como esses deslocamentos podem influenciar na transmissão de um vírus? De acordo com uma equipe de cientistas do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), também de São Carlos, a resposta é sim. A garantia dos especialistas vem de um novo modelo matemático desenvolvido por eles que é baseado em redes complexas e de múltiplas camadas. O ComplexVid-19, como foi denominado, pode, assim, fornecer dados mais precisos de uma população de qualquer cidade, ou até mesmo de todo um país.
Prof. Odemir Martinez Bruno (Foto:T. Santos)
ComplexVid-19 é um aprimoramento do conhecido modelo matemático SIR, que é aplicado ao estudo de epidemias analisando possíveis ações futuras e suas consequências. “Construímos um modelo robusto que leva em conta todas as possibilidades avaliando o comportamento cotidiano de uma população”, descreve o professor Odemir Bruno, do Grupo de Computação Interdisciplinar do IFSC.
Sociedade virtual
Na prática, os cientistas inserem dados reais no modelo ComplexVid-19 e, de acordo com os resultados, podem estimar as principais ações que devem ser tomadas pelos gestores. Esses dados estão todos disponíveis publicamente por entidades como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outros órgãos públicos. A partir desta inserção, é possível simular a inclusão de um ou mais indivíduos “infectados” no sistema ComplexVid-19 e analisar seus comportamentos cotidianos.
Infográfico: Beatriz Abdalla/Jornal da USP com ícones de flaticon
“Poderemos criar no ComplexVid-19 uma sociedade virtual, porém com dados reais. E isso pode incluir dados de populações de um país como o Brasil, de um estado como o Rio de Janeiro, uma cidade como São Paulo, ou um bairro, por exemplo”, descreve Bruno.
Dados públicos informam desde o número de crianças matriculadas em escolas, quantidade de trabalhadores, usuários do transporte público em horários diversos, frequentadores de templos religiosos e o número estimado de pessoas hospitalizadas pela covid-19, entre outros. “É justamente a partir desses dados que é formada uma rede complexa. Agora imagine incluirmos um grupo de ‘infectados’ nessa sociedade virtual. Teremos então uma simulação mais precisa da circulação do vírus”, estima o pesquisador.
“É assim que o ComplexVid-19 aprimora o modelo SIR tradicional e poderá ser aplicado ao estudo da epidemia de covid-19 no Brasil, analisando possíveis ações futuras e suas consequências”, garante Leonardo F. S. Scabini. Ele faz parte da equipe do professor Odemir Bruno, que em breve publicará um artigo sobre o novo modelo numa conceituada revista internacional de física.
O SIR é um dos modelos epidêmicos mais conhecidos e utilizados em doenças infecciosas. O modelo considera uma população fixa com apenas três compartimentos: suscetíveis (S), indivíduos saudáveis mas que podem contrair a doença; infectados (I), aqueles que contraíram a doença e são capazes de infectar os suscetíveis; e recuperados (R), que não podem contrair a doença novamente. Daí a sigla SIR.
Mas como explica Scabini, no mundo real os contatos físicos dependem de muitas interações sociais e as pessoas só contraem a doença se estiverem em contato com um indivíduo infectado. “É por isso que uma rede complexa de interações sociais se aproxima melhor da realidade e nos ajuda a entender o comportamento da doença”, explica.
Rede complexa representando a internet – Foto: Steve Jurvetson (CC by 2.0)
A rede complexa do ComplexVid-19 é caracterizada por considerar estatísticas de infecção, morte e tempo de hospitalização. Para simular isolamento, distanciamento social ou medidas de precaução, em seu trabalho os pesquisadores removeram camadas e/ou reduziram a intensidade dos contatos sociais. Os resultados mostram que, mesmo tomando várias premissas otimistas, os atuais níveis de isolamento no Brasil ainda podem levar ao colapso do sistema de saúde e a um número considerável de mortes (média de 149.000).
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De acordo com o professor Odemir Bruno, o ComplexVid-19 já está disponível para utilização. “Principalmente gestores públicos que estiverem interessados em aplicar o modelo em suas realidades”, avisa. Para tanto, basta que se tenha em mãos dados estatísticos da população local para serem inseridos no sistema.
O trabalho teve início em março deste ano e deverá ser publicado em breve numa publicação especializada. A equipe de pesquisadores coordenada pelo professor Odemir Bruno é composta por Leonardo F. S. Scabin e Altamir G. B. Junior (IFSC), Lucas C. Ribas, Mariane B. Neiva e Alex J. F. Farfán, todos do ICMC.
Mais informações: e-mail bruno@ifsc.usp.br
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