Da esq., Norita, Bibiana e Irene chegando às Cataratas, 80 anos atrás – Foto: acervo Família Vera
. Por Vicente Ávalos (Texto publicado em novembro de 2021)
Uma foto. Três mulheres, três bicicletas e lá bem ao fundo as quedas d’água na ferradura de basalto mais famosa do mundo. No caso de Irene, a história de um passeio ao Parque Nacional pra ver “os Saltos” – que era o jeito de como o povo do lugar se referia às Cataratas no início do século passado – é tão antiga que já virou saudade.
A pequena foto, meio apagada e de autoria indefinida, serve como alicerce para lembrar bons momentos de esforço e amizade numa ida às Cataratas de bicicleta. Isto foi há quase 80 anos. A iguaçuense Irene Vera Campana, prestes a completar 99, contou miúdo sobre o feito realizado junto com as amigas Bibiana Rolón e Norita Flores.
“Não foi tão difícil nem tão demorado”, lembra. Naquele dia, o trio se embrenhou a fazer estrada numa aventura logo de manhã. Haviam conseguido bicicletas emprestadas dias antes. Saíram bem cedo, acompanhando o nascer do sol. No pouco que lembra da façanha, foram algumas horas de pedalada, numa trilha com pedras e buracos pra vencer. De carga, só umas laranjas pra comer. “Água pra tomar se tinha de sobra no trajeto e lá no Iguaçu”, ela ri.
Da visita em si, lembra da exuberância das quedas e seu som que “não dá pra esquecer” e do perigo “pra se andar entre as pedras se agarrando ao barranco e a folhagem da beira do rio”. Outra lembrança marcante, conta Irene, é a do túnel de bambus que se entrelaçavam por cima da picada, anunciando o espetáculo final. “Os bambus eram tão fechados que quase não se via o sol através deles. Fresquinho que era atravessar pela sombra. E de longe já se podia escutar as águas.” Parar pra descansar no bambuzal? Nem pensar. O perigo de cobras era muito grande. E os mosquitos? Também não era coisa pra se desprezar, comenta com o lampejo que vai buscar na memória enquanto descreve o nevoeiro e o arco-íris na frente do salto principal.
Antes de visitar o lado brasileiro, o trio já tinha estado nas Cataratas pelo outro lado da fronteira. Irene conta que Bibiana, a mais velha das três, já era casada na época. E que o marido, argentino, ajudou na organização daquele passeio. “Ele conseguiu as bicicletas, me lembro. Mas no dia, atravessamos o Iguaçu de canoa, pegamos as bicicletas e fomos. Só as mulheres. A Bibiana era casada mas não tinha filhos. Era muito amiga minha e da Norita, que ainda éramos solteiras. Podíamos fazer esses passeios.”
Cataratas do Iguaçu. Há tantas formas de se contar do amor da gente da fronteira por esse lugar. E as histórias que se apresentam mais bonitas, ainda que comuns, são aquelas motivadas por um trajeto duradouro de emoções. Indeléveis, acima do tempo e do roer do esquecimento, elas permanecem trafegando num circuito entre a retina, os ouvidos e o cérebro de quem esteve, viu, transviu. E assim, num breve relato filtrado durante uma partida matinal de dominó, Irene Vera Campana relembrou e compartiu esta, que é só sua.
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