O presente artigo foi publicado em 2019, ano em que Dandara entrou para o livro das heroínas e heróis brasileiros
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Desde de 24 de abril [de 2019], Dandara dos Palmares é parte do livro de heróis e heroínas da Pátria, que está no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. A inclusão dela veio 22 anos depois que o marido, Zumbi do Palmares, teve seu nome incluído no mesmo livro oficial.
Agora pesquisadores e historiadores defendem ampliar a participação da biografia de Dandara, citando-a como uma guerreira que lutou e foi líder estrategista no quilombo dos Palmares, no século 17, no então estado de Pernambuco (hoje majoritariamente área de Alagoas)..
No relato no site oficial Fundação Palmares, Dandara é citada como esposa de Zumbi, com quem teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. “Ela foi uma das lideranças femininas negras que lutaram contra o sistema escravocrata do século 17 e auxiliou Zumbi quanto às estratégias e planos de ataque e defesa da quilombo.”
Há várias lacunas sobre a história de Dandara, o que inclusive levou alguns pesquisadores a duvidar de sua existência. “Não há registros do local onde nasceu, tampouco da sua ascendência africana. Relatos e lendas levam a crer que nasceu no Brasil e se estabeleceu no Quilombo dos Palmares enquanto criança”, segundo a fundação. Sabe-se que ela “suicidou-se depois de presa, em seis de fevereiro de 1694, para não voltar na condição de escravizada”, diz o texto.
. A pesquisadora e professora Ligia Ferreira, diretora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), questiona o porquê de ela ser lembrada apenas como “esposa de Zumbi” ou mesmo como “auxiliar” nas estratégias. “Um dos fatores que estão sendo revisitados em relação à história de Dandara é que ela era uma excelente estrategista, capoeirista e defensora das lutas negras”, afirma.
. Para ela, isso ocorre é porque a história contada ainda tem muitos traços de racismo e machismo. “Quem conta história assume uma posição, a minha é de comparar Dandara à Antígona, Tereza de Benguela, Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus. Mulheres pouco conhecidas no Brasil, mas que lideram movimentos de luta ou ficcionais importantes”, diz Ligia. Ferreira pesquisou sobre a morte da guerreira e explica que, com o acordo de rendição, ela teria que se entregar.
. “As pessoas que estavam no quilombo, que não eram livres, também. Por isso, a fuga. Zumbi foi capturado. Ela também seria se não tivesse se lançado [para a morte]”, conta.
. “Ela se recusa a obedecer ao Estado, que naquela época significava morrer por inanição e decide tirar a própria vida se enforcando. Fato que para a concepção de Estado ocidental era inadmissível. Dandara dá a resposta quando não se submete “à vida escrava” e se lança para a morte da liberdade. Isso, para a cultura negra, é se unir aos ancestrais. Não é suicídio como muita gente julga”, afirma a pesquisadora sobre como se encaravam os fatos naquela época.
. Poucos são os livros que trazem Dandara como referência de uma heroína. Um deles foi lançado em 2017: “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”, de Jarid Arraes.
. “A questão de Dandara para nós está no que representa uma mulher negra que, cotidianamente, demonstra essa luta e resistência. Zumbi se transforma em herói porque a sociedade capitalista precisa deles. A cultura africana concebe o Ubuntu (Só sou porque nós somos!), a coletividade”, diz Ferreira.
. Segundo Helcias Pereira, coordenador do Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, Dandara foi omitida de relatos porque a história “é contada pelos vencedores”. No caso de Dandara, diz, não há documentação comprobatória porque os assassinos dos negros rebelados quiseram omitir sua presença.
. “Existem várias versões, até porque a figura de Dandara é uma figura que foi resgatada pela oralidade do movimento negro, nenhum livro oficial na verdade traz a história dessas mulheres quilombolas, com exceção de Aqualtune (mãe de Ganga Zumba).”
. Pereira conta que o nome da guerreira negra tem origem em D´Ondara, ou Grande Espírito. “Já existem vários textos escritos na internet e até livretos em cordel sobre ela e outras mulheres quilombolas. Dandara é lembrada, por exemplo, pelo cineasta Cacá Diegues no filme Quilombo, de 1984. “Ela no filme é uma companheira de Zumbi, que lutou até o fim”, lembra Pereira.
. A autora do livro “A ocupação das terras do Quilombo dos Palmares e criação das vilas”, Genisete de Lucena Sarmento, pesquisou vários documentos da época do Quilombo e percebeu como é difícil achar algo referente a Dandara. Ela acredita que há muito a ser pesquisado e contado não só sobre ela, mas sobre os negros que viviam no local e lutaram contra a escravidão.
. “Tentam eliminá-la da história, mas ela não é uma lenda, é uma tradição oral. Não existiam só homens guerreiros, claro que havia lideranças mulheres. Isso tem de ser resgatado da história oral. Aliás, muitas coisas têm de ser ainda registradas e tornadas públicas. Muita coisa está morrendo nas próprias comunidades que são descendentes de escravos massacrados em 1694 [quando houve a invasão ao mucambo dos Macacos, onde o quilombo era governado]”, afirma.
. Uma das propositoras de colocar Dandara no livro de heróis e heroínas da Pátria foi a ex-deputada federal Eronildes Vasconcelos, a Tia Eron. A Universa, ela contou que a nomeação dela foi “uma reparação, uma justiça.”
. “Não apenas Dandara, mas nós temos outras grandes heroínas negras, que combateram ativamente a invasão dos portugueses. Mas por serem mulheres e negras foram inviabilizadas enquanto heroínas”, diz.
. Sobre a inclusão de Dandara, ela diz que está “fazendo sua obrigação” como mulher negra. “As meninas e as mulheres negras se veem nesses espaços de poder, eu não tenho uma referência de luta, de êxito. Todas as vezes que a gente tem uma mulher negra nesses espaços, elas estão sempre no bastidor, sempre atrás do marido, elas não têm o destaque, em todas as esferas”, conta.
. Para ela, se trata de “um crime de racismo claro que o Brasil pratica”. “Historiadores dizem que ela é uma mulher linda, apresentam como a mulher de Zumbi. Mas essas mulheres precisam estar nesses registros não para que sejam apresentadas como a ‘mulher de’, mas como mulheres que transformaram as situações.
. “Dandara estava ali ao lado de Zumbi, mas ela era uma grande estrategista, tinha um comando enorme”, afirma. Tia Eron acredita que a luta agora é incluir Dandara e outras heroinas negras nos livros de história. “Negar essa história é roubar a história do país, é roubar a história legítima de mulheres que hoje precisam de referências para continuar criando seus filhos, ainda que não tenha marido, continuem trabalhando, continue sonhando, mesmo tendo muita dificuldade social”, completa.
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