Cartum de Serpil Kar, ilustradora turca. 2013
Sabemos que dentre as muitas barreiras que nós, mulheres trabalhadoras, enfrentamos na sociedade patriarcal, a educação dos filhos é uma delas, tanto no âmbito familiar quanto no escolar. Numa perspectiva feminista classista, a escola pública está muito aquém de atender essas necessidades básicas, pois reproduz e propaga as práticas machistas que enfrentamos diuturnamente, além de acentuar ainda mais a desigualdade entre as classes.
Pensando enquanto mãe trabalhadora e educadora da escola pública, esse abismo social torna-se ainda mais colossal com a implantação do Novo Ensino Médio. Arrisco dizer que regredimos ao modelo educacional que tínhamos à época da ditadura cívico militar no Brasil, que submetia os filhos da classe trabalhadora à uma educação meramente tecnicista, e pretendia “produzir” mão-de-obra barata para atender as demandas do mercado. A oportunidade de almejar um curso superior, ou formar-se cidadão crítico e atuante na sociedade, estava, e voltou a estar, a anos luz de distância do jovem periférico e trabalhador.
A LDB, em seu artigo 35 inciso III, garante que: “O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;”. Neste contexto, o congelamento dos gastos em educação; a falta de valorização e formação continuada dos docentes; o aumento por si só da carga horária de matemática e língua portuguesa sem a preocupação com a falta de estrutura nas escolas e a diminuição da carga horária de disciplinas como sociologia e filosofia, são pressupostos que estão na contramão da própria Lei de Diretrizes e Base da Educação. Ainda, a valorização da ideia das competências, assumindo a ideia do fazer apenas, em detrimento do pensar, vai de encontro ao processo de mercantilização da educação, anulando seu papel primordial na construção de uma sociedade justa e igualitária.
Uma pergunta que educadores preocupados com a transformação social devem se fazer cotidianamente:
“Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferí-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.”(FREIRE, p.15, 1996).
Ou ainda:
“Que podem pensar alunos sérios de um professor que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a necessidade da luta pela autonomia das classes populares e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso pragmático contra os sonhos e pratica a transferência de saber do professor para o aluno?! Que dizer da professora que, de esquerda ontem, defendia a formação da classe trabalhadora e que, pragmática hoje, se satisfaz, curvada ao fatalismo neoliberal, com o puro treinamento do operário, insistindo, porém, que é progressista?” (FREIRE, p.16, 1996).
Diante da conjuntura que nos assola, do avanço do neoliberalismo na sua forma mais voraz rumo à conversão da educação em um objeto puramente mercadológico, usurpando-lhe seu papel transformador e revolucionário, posicionar-se e tomar partido é no mínimo íntegro e urgente.
Pensar na luta das mulheres trabalhadoras sem pensar na efetivação de uma educação pública universal, que seja feminista classista e, nas palavras do mestre Paulo Freire, libertadora, é fechar os olhos para parte primordial na construção de uma nova sociabilidade, rumo à liberdade absoluta das mulheres do mundo todo.
Que neste dia 8 de março, juntemo-nos à luta feminista por outra sociedade, através de uma educação que atenda as necessidades da classe trabalhadora!
À luta, todas e todos!
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