Na Aldeia Condá onde a tribo Kaygang velava o corpo de Naman da Rosa, 9, eram poucos os que choravam antes do relógio se aproximar das 11h no sábado (4 de fevereiro). O corpo gélido dentro do caixão branco de madeira estava no centro da capela de chão batido da Igreja Pentecostal só o Senhor é Deus da Paz. Atrás, um retrato dos seus cinco anos, com sorriso largo e roupa de militar. E também apoiado atrás, um pacote com quatro bolinhos doces e salgadinhos de panificadora – última coisa comprada pelo menino antes de ser atropelado na sexta-feira (3) na Avenida Fernando Machado, em Chapecó.
“Era dele e vamos deixar com ele. Não foi por fome que morreu”, disse o pai, Ronivan Rosa, 29, sentado em uma cadeira ao lado de sua casa e a três metros da capela de madeira onde jazia o corpo do filho.
Os olhos estão fixos ao horizonte, como que olhando tudo, mas não olhando nada. Fala baixo e manso. Sofre.
Na sexta saíram ele, a mulher e os três filhos para comercializar artesanato no Centro de Chapecó. Ao meio-dia descansavam próximos da Havan quando Naman e a irmã mais velha saíram para comprar comida. Minutos depois a menina, de 11 anos, voltou correndo sozinha: Naman foi atropelado por um ônibus.
A notícia correu pelo Facebook e contou o fato. Um vídeo também revelou o momento em que pai e mãe encontraram o corpo de Naman ensanguentado, morto no asfalto, hora em que já não se podia fazer nada. Baixo a essa notícia, um alguém pronunciou do trono da sua ignorância: “Um bugre esmoleiro a menos”. Fazendo ecoar o pouco caso do Kaygang atropelado.
Na Aldeia Condá, sábado de manhã, fazia falta “o bugre a menos”. Enquanto Rosa relembrava atônito e com meias palavras o rito de despedida na avenida, sua mulher era carregada. Desmaiou. Que falta do “bugre esmoleiro a menos” sentia. Sua mãe, de igual forma, apoiava-se em um canto ao lado de fora da singela capela. “Ai, meu Deus”, soluçava, enquanto acalentava-se passando uma toalha amarelada sob a testa.
Dois meses antes foram os kaygangs que prestaram homenagem pelo luto dos homens brancos que fizeram o nome de índio ser conhecido pelo mundo. Mas na morte do índio-dito, o homem branco lhe apontou a arma: um a menos – disse.
O capitão da comunidade, Miguel Salles, 55, também tio de Naman, caminhava perplexo no velório. Não deixará barato. “Vamos denunciar ao Ministério Público”, sentenciou. Salles e a comunidade contam com apoio de um dos coordenadores regionais do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que coletou imagens do crime de ódio cometido nos comentários do Facebook. A intenção é encaminhar a papelada na segunda-feira (6) para que autoridades tomem ciência do fato.
Mas na Aldeia, ainda que hajam processos, Namam não será mais visto com jeito de moleque que, diz o tio Salles, “barbaridade! Era pra lá de faceiro!” Pois foi enterrado. Descansa em paz.
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