.
Paraíso em Chamas
Última ração de tempo imponderável, fugaz, a queimar em seu próprio fogo.
Nas gavetas, restos de sol e pânico e o que ficou dos ritos iniciais. Paixões petrificadas, precipitadas anotações, livros, fungos, ossos polidos, gravatas de pura seda, limo viscoso na alma e a difícil digestão das alegrias circunstanciais.
Agônico gesto desnuda ausências, que fim levaram os amores que juraram eternidade?
É de outro tempo a fome dos deuses e o perfume intocável de juventude carne lasciva, seios imaginados apetites insaciáveis, prazeres precoces, não encontrados jamais nos códices do convento de Benediktenbeurer. Agora, Vênus de sal, apenas memória e o baixo ventre dolorido a arder no lençol sem marcas clarões da memória. As longas pernas da bailarina em Buenos Aires as ancas da albanesa de pele macia.
Desvio o olhar. No espelho a fitar-me, a face recusada rugas, olheiras, calvície pálpebras inchadas máscara de baile de horror na memória, espaços vazios algumas ideias rotas o pálido sabor de saudade e os sapatos entumecidos.
Sonho recorrente, profundo precipício céu sem estrelas, oco escuro impenetrável Em queda livre ao som de gritos.
Tempo de salitre e cal a utopia submersa em claro rio o olhar avesso, flutuante, de um cavalo a esperar o tiro. Cão enfurecido pelo medo a morte tem sabor de azinhave nada mais por fazer nada mais o paraíso está em chamas.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.