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. Novidade. Vovó vai viajar; e de avião. Isso foi o presente do ano. A passagem estava em promoção, pagou-a com sua aposentadoria. De tanto insistir, a filha caçula a convencera. Vamos mãe, você volta de ônibus.
Malas prontas. O dia chegou. Num momento anterior, a filha combinara tudo com a neta. Esta, jovem “chofese”, como seu avô a chamava quando ainda estava vivo, iria levá-las até o destino: o aeroporto. A tia, muito cautelosa, deu todas as recomendações para que nada desse errado: “ligue-me às 4h15min e esteja aqui às 4h45min, sairemos às 5h”. Dito e feito. Porém, neste ínterim, resolveram, vó e neta, tomar uma xícara do instantâneo Nescafé para que ambas abrissem os olhos, afinal, o dia ainda estava dormindo e a noite era convidativa para se embebedar de sono. Pela força da pressão da filha, elas caíram na real, apressando-se.
5h25min. Chegaram. Estavam na hora. A neta adorava ir ao aeroporto. Eram únicas as vezes que ia. Passaram pelo detector de metais – nada as impedia de chegar ao seu rumo. Foram até o “check in”. A neta as acompanhava o tempo todo, achava tudo aquilo indizível. Ficaram na fila. A hora de se apresentar à atendente estava chegando. A filha, muito prevenida, alertou a mãe que já tivesse em mãos os documentos. Uma interrogação surgiu e tudo pareceu desabar. A avó, com cara de perdida e não entendendo nada, não achara a identidade. A filha, ainda calma ou controlando seus nervos, disse à sua mãe que olhasse melhor sua bolsa. A identidade da avó não podia ter sumido justamente naquela hora. Saíram da fila.
Agora em desespero, não sabiam que atitude tomar. “Minha sobrinha, ligue para seu tio, a identidade pode estar em outra bolsa”. O tio solteiro morava com a avó. A neta, meio tonta pelos efeitos da madrugada e perdida pelo inesperado, foi à procura de um orelhão, mas não achou nenhum. Ela tinha um celular. Julgou-se burra e sem cabeça. Ligou. O tio, ainda não entendendo e estarrecido pela brusca chamada, foi correndo tentar ajudar, procurou o documento em outras bolsas. Nada. Se ele achasse, retornaria a ligação.
A neta, então, dera a infeliz notícia a elas. Os nervos emergiam e com isso surgira outra ideia. “Minha sobrinha, ligue para sua mãe, acho que está com ela”. O telefone tocou implorando para que alguém o atendesse, mas nada; e acreditem ou não: aquele estabelecimento era um hotel.
Querendo ajudar e tentando ser útil, a neta correu atrás. Pediu ajuda. Um senhor, sentindo o desespero, tomou consciência e a encaminhou ao DAC que cuida destes imprevistos. A ajuda foi em vão, porém havia uma esperança. Num ato desesperado, filha e neta foram falar com o tal diretor da companhia aérea. A avó não podia, não estava bem.
A neta lembrara que o conhecia e tentando uma aproximação, disse-lhe que era ex-namorada de um funcionário dele. Achou, a pobrezinha, que iria lucrar com tal informação. Mal sabia a neta que o seu “ex” gostava da mesma fruta que ela. Sorriu com sarcasmo o diretor, que exclamou um “e daí?!?” em pensamento. Nervoso, pensou e ia ver se podia ajudar. A cara dele não estava muito boa. Estava cheio de serviço. Muitos passageiros chegaram atrasados.
Nesta bagunça, a avó perdida em si precisava ir ao banheiro. O café fizera efeito. Não dá para segurar mãe!?! – disse a filha num tom imperativo. A avó não estava bem. Ela, então, deitou seu olhar desesperador à neta, e esta, sem mais demora, a acolheu. Correram ambas ao toalete. A bomba estourou no momento certo. A avó transpirou e desatou longos suspiros.
Culpando-se, ela não se perdoava. A neta estava triste também.
Retornando ao check in, a filha estava terminando de preencher as passagens. Elas conseguiram.
O avião só esperava por elas. Todos já haviam embarcado.
Na despedida houve um corte, não pela emoção da conquista, mas pela frieza e impaciência do diretor. Rápido, estamos atrasados. A neta, satisfeita pela vitória, foi até o primeiro piso para ter a certeza de que o avião iria decolar levando vó e filha.
Ainda deu tempo de gritar o nome delas. Ambas corriam para o avião. O diretor também tomou rumo para Curitiba. O avião partiu.
O sol nascendo as acompanhou e a neta não era mais a mesma; transformou-se pela fuga da rotina. A identidade apareceu noutro dia, tranquila e intocável na bolsa da filha mais velha.
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