Família Nordestina, cerâmica de Vitalino – Reprodução
. Poeta, cantô de rua Que na cidade nasceu Cante a cidade que é sua Que eu canto o sertão que é meu
Se aí você teve estudo Aqui, Deus me ensinou tudo Sem de livro precisá Por favô, não mêxa aqui Que eu também não mexo aí Cante lá, que eu canto cá
Repare que a minha vida É deferente da sua A sua rima pulida Nasceu no salão da rua Já eu sou bem deferente Meu verso é como a simente Que nasce inriba do chão Não tenho estudo nem arte A minha rima faz parte Das obra da criação
Você teve inducação Aprendeu munta ciença Mas das coisa do sertão Não tem boa esperiença Nunca fez uma paioça Nunca trabaiou na roça Não pode conhecê bem Pois nesta penosa vida Só quem provou da comida Sabe o gosto que ela tem
Pra gente cantá o sertão Precisa nele morá Tê armoço de fejão E a janta de mucunzá Vivê pobre, sem dinhêro Socado dentro do mato De apragata currelepe Pisando inriba do estrepe Brocando a unha-de-gato
Você é muito ditoso Sabe lê, sabe escrevê Pois vá cantando o seu gozo Que eu canto meu padecê Inquanto a felicidade Você canta na cidade Cá no sertão eu infrento A fome, a dô e a misera Pra sê poeta divera Precisa tê sofrimento
Sua rima, inda que seja Bordada de prata e de ôro Para a gente sertaneja É perdido este tesôro Com o seu verso bem feito Não canta o sertão dereito Porque você não conhece Nossa vida aperreada E a dô só é bem cantada Cantada por quem padece
Só canta o sertão dereito Com tudo quanto ele tem Quem sempre correu estreito Sem proteção de ninguém Coberto de precisão Suportando a privação Com paciença de Jó Puxando o cabo da inxada Na quebrada e na chapada Moiadinho de suó
Amigo, não tenha quêxa Veja que eu tenho razão Em lhe dizê que não mêxa Nas coisa do meu sertão Pois, se não sabe o colega De quá manêra se pega Num ferro pra trabaiá Por favô, não mêxa aqui Que eu também não mêxo aí Cante lá que eu canto cá
Mas porém, eu não invejo O grande tesôro seu Os livro do seu colejo Onde você aprendeu Pra gente aqui sê poeta E fazê rima compreta Não precisa professô Basta vê no mês de maio Um poema em cada gaio E um verso em cada fulô
Seu verso é uma mistura É um tá sarapaté Que quem tem pôca leitura Lê, mais não sabe o que é Tem tanta coisa incantada Tanta deusa, tanta fada Tanto mistéro e condão E ôtros negoço impossive Eu canto as coisa visive Do meu querido sertão
Canto as fulô e os abróio Com todas coisa daqui Pra toda parte que eu óio Vejo um verso se bulí Se as vêz andando no vale Atrás de curá meus male Quero repará pra serra Assim que eu óio pra cima Vejo um divule de rima Caindo inriba da terra
Mas tudo é rima rastêra De fruita de jatobá De fôia de gamelêra E fulô de trapiá De canto de passarinho E da poêra do caminho Quando a ventania vem Pois você já tá ciente Nossa vida é deferente E nosso verso também
Repare que deferença Iziste na vida nossa Inquanto eu tô na sentença Trabaiando em minha roça Você lá no seu descanso Fuma o seu cigarro manso Bem perfumado e sadio Já eu, aqui tive a sorte De fumá cigarro forte Feito de paia de mio
Você, vaidoso e facêro Toda vez que qué fumá Tira do bôrso um isquêro Do mais bonito metá Eu que não posso com isso Puxo por meu artifiço Arranjado por aqui Feito de chifre de gado Cheio de argodão queimado Boa pedra e bom fuzí
Sua vida é divirtida E a minha é grande pená Só numa parte de vida Nóis dois samo bem iguá É no dereito sagrado Por Jesus abençoado Pra consolá nosso pranto Conheço e não me confundo Da coisa mió do mundo Nóis goza do mesmo tanto
Eu não posso lhe invejá Nem você invejá eu O que Deus lhe deu por lá Aqui Deus também me deu Pois minha boa muié Me estima com munta fé Me abraça, beja e qué bem E ninguém pode negá Que das coisa naturá Tem ela o que a sua tem
Aqui findo esta verdade Toda cheia de razão Fique na sua cidade Que eu fico no meu sertão Já lhe mostrei um ispeio Já lhe dei grande conseio Que você deve tomá Por favô, não mexa aqui Que eu também não mêxo aí Cante lá que eu canto cá
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