À esquerda Zé Pinto e à direita Marquinhos Monteiro durante a Jornada de Alfabetização “Sim, Eu Posso” em Maricá (RJ) – Foto: Jaqueline Deister/ Brasil de Fato
. A luta pela reforma agrária anda de mãos dadas com a música e a poesia. Os chamados cantadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) viajam de norte a sul o Brasil participando de encontros e marchas do movimento, sempre acompanhados de suas violas e repletos de criatividade e sorriso no rosto. E foi em uma dessas andanças que o jornal Brasil de Fato entrevistou os cantores e compositores Zé Pinto e Marquinhos Monteiro.
. Ambos estiveram presentes na Jornada de Alfabetização “Sim, Eu Posso”, que ocorreu no município de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, na última semana.
. Zé Pinto, 62 anos, gosta de se apresentar como um poeta popular e apaixonado pela agroecologia. Ele compôs a música “Ordem e Progresso”, considerada a trilha marcante da Marcha Nacional por Emprego, Justiça e Reforma Agrária iniciada no dia 17 de fevereiro de 1997. Na ocasião, os sem terra partiram em caminhada de três pontos do país para chegar a Brasília para um protesto no dia 17 de abril, exatamente um ano depois do Massacre de Eldorado do Carajás.
. A música que acompanhou os militantes ao longo dos dois meses de caminhada foi composta por Zé Pinto e eternizada, posteriormente, pela voz de Beth Carvalho, é a síntese da missão do maior movimento popular organizado do país.
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O “cantador” é mineiro, mas a família mudou-se para o norte do país ainda nos anos 1970 e foi no estado de Rondônia, há 36 anos, que Zé conheceu o MST. O primeiro contato foi como “zelador” do jornal do movimento, termo usado para a pessoa responsável pelas assinaturas do informativo.
. Pouco tempo depois, o contato com os temas da reforma agrária e agroecologia, passaram a render letras e canções. “Depois, quando eu comecei a participar do movimento fui fazendo as músicas dentro dessa realidade da luta que a gente está participando”, conta.
. Assim como Zé, Marquinhos Monteiro esbanja criatividade com as palavras e cifras. Aos 48 anos, o capixaba vive atualmente no Piauí e está no MST há 31 anos. Cursou administração no sul do país, trabalhou como coordenador de cooperativa e também esteve à frente do projeto “Sim, Eu Posso” no estado do Maranhão. A propósito, Marquinhos é o compositor do hino da iniciativa de erradicação do analfabetismo promovida pelo MST.
. “Acompanhei 15 municípios, eram mais ou menos 20 mil pessoas. E eu tive o privilégio de ouvir falas como a de uma senhorinha que me disse que o maior sonho dela era conversar com as letras. Eu fiz uma canção em cima disso ‘Quando se aprende a ler, o que eu não via eu passo a enxergar, se conversarmos com as letras, nós viajamos sem sair do lugar’”, relembra.
. Quando começou a relação de vocês com o MST?
Zé: Eu participava de um grupo de jovens de uma igreja bem progressista e isso já na região amazônica, em Rondônia. Então, o MST chegou com um curso e eu fui convidado para participar, em 1986, e me deram a tarefa de zelador do jornal. Na época, o jornal do MST.
Em cada região tinha o zelador que saia fazendo assinatura, tinha que chegar e entregar para todo mundo que assinou. E eu, uma vez, fui o campeão de assinaturas em Rondônia. Fui fera e dai não parei mais. Já mudei para Minas Gerais, fiquei seis anos lá. Depois fomos para o Rio Grande do Sul, ficamos mais três anos, depois voltamos para Rondônia de novo. Sou do coletivo de cultura do movimento.
Marquinhos: Em 1992, o movimento fez o curso TAC [Técnicas de Administração em Associativismo e Cooperativismo], e eu fui convidado para participar, mas nem sabia o que era o movimento, a gente era meeiro, trabalhava com café e pimenta-do-reino. Fiquei curioso e parei meu curso técnico na escola de família agrícola e fui fazer um curso do movimento no Braga, no Rio Grande do Sul.
Trabalhei como administrador em algumas cooperativas, supermercados que o movimento começou nesse período no Espirito Santo e depois eu fui morar em Aracaju, morei cinco anos e depois eu fui para o Piauí para discutir um curso de artes com o pessoal. E ai eu fui ficando, ficando e já estou há 17,18 anos morando no Piauí.
. E como se tornaram músicos do movimento?
Zé: As músicas no começo, quando eu comecei a compor, não diziam nada. Essas coisinhas quando a gente toma um chute da namorada (risos). Depois, quando eu comecei a participar do movimento fui fazendo as músicas dentro dessa realidade da luta que a gente está participando. A gente participa de muita palestra, um pessoal muito bom e escuta uma palavra e vai para o caderninho escrever, é a música que está nascendo. É uma peleja, mas é um negócio muito bom porque você vai doando o que consegue compor, recebendo mensagens interessantes e participando também.
Marquinhos: Eu comecei a tocar mesmo no movimento uma vez que eu fui na Bahia e o Zé Pinto não foi. Eu cheguei lá no encontro de jovens e o Zé furou (risos) e eu nem imaginava. Toquei algumas músicas e o pessoal me colocou no coletivo de cultura e de lá para cá nunca mais parei. Isso foi em 97, 98.
. E Zé, você chegou a fazer uma música para um aniversário do Brasil de Fato?
Zé: Foi muito bom, eu participei desse evento do aniversário do Brasil de Fato, pediram para eu fazer uma música, eu fiz. Gravamos e foi bem legal. Me deram uns toques do que tinha que ter na música. Só que era uma música para aquele momento conjuntural, há 10 anos, ai se perde.
. Marquinhos, dentre as suas composições está o hino para o projeto de erradicação do analfabetismo do MST, o “Sim, Eu Posso”. Como que foi esse processo?
Marquinhos: No Maranhão, começou em 2016. Porque eu moro próximo do Maranhão, o que me divide é só o Rio Parnaíba. Eu não fiz parte do “Sim, Eu Posso!” na ocasião, mas eu recebi informações da turma que estava começando e eu comecei a compor algumas canções para o projeto. E uma das canções, eu tive o privilégio de ficar como hino do “Sim, Eu Posso”, que é uma canção que se chama “O Povo é Movimento”.
Em 2017 eu comecei a fazer parte da equipe do projeto. Eu era o coordenador de município e decidiram que eu acompanharia 15 municípios, pude ter uma vivência muito próxima das pessoas e nessa vivência eu consegui fazer seis músicas.
Eram mais ou menos 20 mil pessoas. E eu tive o privilégio de ouvir falas como a de uma senhorinha que me disse que o maior sonho dela era conversar com as letras. Eu fiz uma canção em cima disso: ” Quando se aprende a ler, o que eu não via eu passo a enxergar, se conversarmos com as letras, nós viajamos sem sair do lugar”. Depois eu fui mostrar para ela, olha a sua frase está aqui, transformada em canção.
. O que vocês destacariam dentro do trabalho musical autoral que fizeram até hoje?
Zé: Eu escrevi “Ordem e Progresso” que é muito cantada, foi na primeira marcha do movimento que ela foi nascendo e eu fui ensaiando com o povo nas horas de descanso, com a galera mais animada e quando chegou em Brasília já estava todo mundo cantando. Eu escrevi muitas músicas para a questão agrária, para a agroecologia. O movimento está muito preocupado com essa luta contra o veneno, então, é tudo o que a gente quer é ouvir, participar e escrever.
Marquinhos: Têm duas canções que eu gosto muito, essa do “Sim, Eu Posso” e uma canção que eu fiz para os sem-terrinha: ”Sem terrinha em movimento, brincar, sorrir e lutar, por reforma agrária popular”. Desenvolvi brincadeiras dentro da canção que eu gosto para caramba.
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