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A rã das corredeiras pode ser considerada uma espécie em perigo de extinção – foto: Renato Gaiga/Biotropica
Os anfíbios são tidos como ótimos bioindicadores porque são ectotérmicos – a temperatura do corpo muda conforme o ambiente – e porque perdem água pela pele se o ambiente estiver seco, ou seja, são capazes de sentir na pele as mudanças climáticas. Uma espécie de rã de corredeira, a Hylodes sazimai, encontrada em apenas quatro cidades brasileiras, mostrou a um grupo de pesquisadores que o desmatamento na Amazônia e as anomalias em seus rios voadores também afetam a sua sobrevivência e suas características morfológicas. E mais, afetam a biodiversidade da Mata Atlântica, habitat da maioria das espécies de anfíbios e um dos biomas mais importantes do Brasil.
“Nesse estudo conseguimos mostrar os efeitos do aumento no desmatamento da Amazônia, seja para obras estruturantes, seja no arco do desmatamento para o avanço de fronteiras agrícolas, exploração de madeira e de garimpo, na diminuição da quantidade de vapor de água, alterando os rios voadores que trazem a umidade tão importante para a manutenção da biodiversidade na Mata Atlântica”, comenta o docente dos cursos de Ciências Biológicas – Ecologia e Biodiversidade (graduação) e Biodiversidade Neotropical (mestrado) da UNILA Michel Varajão Garey, um dos autores do estudo que constatou mudanças em características morfológicas e também a redução da população da Hylodes sazimai, encontrada em Areado, Poços e Poços de Caldas, em Minas Gerais; e Campinas, no estado de São Paulo. O artigo sobre a pesquisa pode ser lido no site da Society for Conservation Biology.
“O desmatamento na Amazônia traz impacto para Mata Atlântica porque causa uma redução na quantidade de chuva, importante para manutenção da biodiversidade de anfíbios”, explica o docente. A umidade que alimenta a biodiversidade na Mata Atlântica é, em parte, proveniente dos rios voadores, resultado da evaporação da água pelas árvores, em um ciclo que tem início nas águas do Oceano Atlântico. Esses rios aéreos que se formam sobre a Amazônia seguem até os Andes, a oeste, onde as grandes altitudes da cordilheira os obriga a seguir, então, para o sul do continente.
Mas não somente os anfíbios são ameaçados por esse desequilíbrio hidrológico. “A Mata Atlântica é um bioma megadiverso. É considerado hotspot mundial de biodiversidade. Esse termo é usado para se referir a locais que abrigam uma grandíssima biodiversidade, com muitas espécies endêmicas – que só ocorrem naquela região – e que estão sob forte ameaça de extinção. Nosso estudo mostrou que desmatar a Amazônia está interferindo diretamente na Mata Atlântica”, alerta.
. Na pesquisa, foi realizado o monitoramento da espécie no verão dos anos 2011 a 2015. Esses dados foram comparados, posteriormente, com o regime de chuvas nos locais de pesquisa. Os períodos mais secos apresentaram menor número de indivíduos. “O evento mais marcante foi em 2014. Choveu bem menos que o normal. O rio secou e não foi encontrado nenhum macho cantando. No ano seguinte, com mais chuva, eles reapareceram, mas em número menor, ou seja, a população não se recuperou. E pode ser que não se recupere por causa das mudanças climáticas, que é o que estamos alertando”, comenta Garey, lembrando que os pesquisadores consideram a rãzinha uma espécie em perigo de extinção, embora ela não figure na lista de espécies ameaçadas elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN).
Além da redução da população de Hylodes sazimai provocada pela falta de chuvas, a pesquisa também constatou mudanças morfológicas nos animais. Foram avaliadas 12 características físicas em anfíbios da espécie que fazem parte de coleções científicas de diferentes instituições de pesquisa do país – a UNILA tem uma delas. Foram medidos o tamanho do corpo, tamanho do pé, das membranas entre os dedos e outras características que estão relacionadas a ações a serem realizadas pelos animais no ambiente onde vivem como capacidade de locomoção e de natação.
“Verificamos que eles variam na morfologia, ou seja, as medidas do corpo mostram que eles são diferentes e que também existem diferenças entre as populações de rãs de cada localidade”, aponta o pesquisador. As principais diferenças estão no comprimento do pé e nas membranas dos pés. “Essas variações podem ocorrer por várias motivos, mas existem pressões seletivas. Percebemos que existe uma correlação entre as populações que estão apresentando variações com as mudanças nos rios voadores.”
Segundo ele, a pesquisa mostrou que rãs que habitam locais mais secos apresentaram mais mudanças. “Vimos que os indivíduos das áreas mais secas sofreram mais com as mudanças nos rios dos voadores. São os que mais tiveram redução de medidas de membrana”, aponta. “A membrana é uma superfície a mais para a rã perder água. Elas têm a pele permeável, ou seja, quanto mais seco, mais água o animal perde, podendo ter uma menor eficiência metabólica e, consequentemente, investindo menos em reprodução”, explica.
Garey ressalva que essas alterações morfológicas podem ter sido motivadas pelas mudanças climáticas mais recentes, mas outros estudos são necessários. “Não conseguimos apontar essa relação, mas, fato é: elas estão diferenciadas, estão mudando e isso está associado às alterações nos rios voadores.” Ele chama a atenção para o fato de que a mudança nos rios voadores também tem impacto na vida e atividades humanas. “Além das atividades ligadas diretamente à Amazônia, estamos alterando o clima com o aumento da concentração de gases de efeito estufa. Isso interfere em todo o ciclo hidrológico e vai trazer impacto para biodiversidade, mas também para a população humana porque essa chuva ajuda a abastecer os reservatórios. E vai ter impacto econômico, para a agricultura”, evidencia.
Para o pesquisador, preservar a Amazônia e seus rios voadores vai muito além de ser a solução para um problema restrito. “Preservar a Amazônia significa preservar a biodiversidade local, mas também a biodiversidade da Mata Atlântica, a biodiversidade de outros lugares nos quais os regimes de chuva são influenciados pelos rios voadores. E, além disso, é preservar também as populações tradicionais, os povos originários, é estoque de carbono, é regulação do clima, é serviço ecossistêmico”, ressalta. “A Terra é uma só. Não é porque as pessoas estão fazendo alguma coisa na Amazônia que isso não vai afetar o sul do Brasil. Vai afetar. E é isso que estamos mostrando.”
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