No meio de toda a confusão, a TV caiu do banquinho que a sustentava e permaneceu ligada. O pronunciamento da autoridade, dentro da caixa de led 32 polegadas, parecia uma outra língua e essa língua perdia volume e virava ruído conforme ela se dirigia para a porta dos fundos. Estava frio, mas ela não sentia frio. Estava úmido, mas ela não sentia a umidade. As luzes azuladas, emitidas em confluência com os ruídos, compunham o plano de fundo de uma cena que em nada combinava com a vida real, embora em tudo a influenciasse. “Não renunciarei”, alguém, se sentindo Deus, gritava com despeito e arrogância de dentro da máquina mágica. Suas pernas se arrastavam por entre as roupas e objetos jogados pelo chão. Certamente, sabiam os invasores que a bela TV era aquisição recente junto com o Iphone 6 que ela esquecera no bolso. Em casa de bandido rico, só com mandato, mas ali foi no corre-corre, com arma apontada na testa e a sorte escolhendo um lado para defender. Seu olhar estava fixo, mas fixava lugar nenhum. Era pesada a resistência que seus músculos precisavam fazer para vencer a montanha de entulhos espalhados, mas ela se sentia leve e, sem se perceber, acabou por deixar esquecido até mesmo um sorriso sonso e deslocado que caia da boca.
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