Reprodução/Instagram
Ciclistas de todas as regiões do país e também do exterior vão realizar ‘bicicletadas’ nesta semana em homenagem a Julieta Hernández, artista de circo e cicloativista venezuelana, que foi encontrada morta na última sexta-feira (5) em uma área de mata no município de Presidente Figueiredo (AM). Em Foz do Iguaçu, o ato em homenagem à Julieta Hernández será realizado na Praça da Paz, a partir das 10 horas da manhã de domingo , dia 14.
Em nota aberta, a organização do ato iguaçuense diz:
“Convidamos a todas, todos e todes a participarem do ATO EM HOMENAGEM A JULIETA HERNÁNDEZ (Palhaça Miss Jujuba) e muitas outras que tiveram suas vidas ceifadas brutalmente. Diversas cidades nas regiões brasileiras e fora do Brasil estão se mobilizando para prestar homenagens a Julieta Hernández, Miss Jujuba, buscando fortalecer o combate a violência às mulheres.
Decidimos por homenageá-la da forma como Miss Jujuba gostava de viver, sendo arte, sendo sorriso, sendo presença!”
No Brasil e exterior, a maioria das atividades em memória à artista, acontecerão na sexta-feira (12), ainda que venham sendo realizadas desde o último dia 9, como foi em Belo Horizonte (MG). Ativistas de todas as partes do país se mobilizaram por novas bicicletadas e atos. A organização do movimento divulga na página @bicicletadajulieta , no Instagram, lista atualizada à medida que novos encontros são confirmados.
Na página oficial do movimento, há uma reflexão sobre a necessidade do engajamento da sociedade: “Convocamos pessoas por todo o Brasil a mobilizarem pedais nas suas cidades simultaneamente na próxima sexta-feira dia 12/01/2024, a fim de homenagear Julieta Hernandez, a Miss Jujuba, para ocupar as ruas do Brasil em solidariedade a Julieta e para gritar contra a barbárie, o feminicídio, a violência e o extermínio que as mulheres sofrem diariamente”, destaca a organização.
Palhaça Jujuba em cena numa programação comunitária no Rio de Janeiro – Foto: instagram
Conhecida como Miss Jujuba, a artista de 38 anos há oito percorria o Brasil levando sua arte, tendo se apresentado em mais de nove estados. Costumava viajar à Venezuela de bicicleta para passar as festas de fim de ano com familiares. No dia 23 de dezembro, ela deixou de responder aos contatos dos amigos e foi dada como desaparecida. Após quase duas semanas, o corpo com sinais de violência foi localizado e, no dia seguinte, identificado, no estado do Amazonas.
“No circo, somos uma rede. Costumamos dizer entre nós, que somos todos uma grande família. E a família circense está vivendo uma semana duríssima. Todos nós, amigos de Julieta, sabíamos dos perigos que as escolhas trazem. Ela também sabia. Mas ainda acreditamos na possibilidade da liberdade e da segurança. Nós, artistas e cicloativistas, temos a mania de acreditar que é possível”, afirma Carina Ninow, palhaça e artista de rua gaúcha, integrante da Dupla Gomesninow, e uma das organizadoras do movimento nacional.
A artista salienta que, embora sabendo dos riscos, a comunidade não deixa de apoiar os sonhos. “Tentamos, em rede, sempre fortalecer e auxiliar no caminho. Tanto que foi esta rede que fazia contato diário e começou a mobilização em busca dela, há semanas.”
A artista chegou no Brasil em 2016 e viveu no Rio de Janeiro por três anos. Foi nesta época que Carina a conheceu. Foi durante sua estada no Rio de Janeiro que Julieta foi se aprimorando na arte da palhaçaria, fez escola livre de palhaços no Rio, e lá, foi batizada com o nome de Miss Jujuba. Foi fundadora da Rede Venezuelana de Palhaças, com estudos no Brasil sobre Teatro do Oprimido. Fez parte da rede Palhaços sem fronteiras. “Tem um depoimento/apresentação dela belíssimo em seu instagram. Seu instagram era @utopiamaceradaenchocolate ”, comenta Carina.
O último espetáculo de Julieta foi “Viagem de bicicleta de uma palhaça só, sozinha?”. Ela fazia parte grupo do “Pé Vermêi”, que conta com artistas e cicloviajantes que pedalam pelo país.
Ser cicloviajante, independente do gênero, é lidar diariamente com os perigos da estrada. Muitas vezes há, sem motivos, uma hostilidade tremenda, com agressões espontâneas.
“Ser mulher é ser ainda mais reprimida, até mesmo por outras mulheres. Sei que muito disso é pelo medo do mundo. Uma tentativa de cuidado. ‘Não vá, é perigoso.’ Mas nosso cuidado deve ser em termos uma sociedade mais segura. Para então podermos dizer ‘Vai que estou te cuidando e ninguém pode mexer com você’. Isto ainda é sonho. Mas a vida é feita de sonho. Algumas vezes eles se realizam. Noutras, vamos parar em um pesadelo”, pontua Carina.
Desde o desfecho do caso, a artista comenta que tem escutado as pessoas muito surpresas ao saberem que ela era uma mulher e viajava sozinha. Contudo Carina chama atenção que Julieta não era a única e esta não deveria ser uma surpresa. “O que deve nos surpreender é a banalidade do desejo de um furto. Nos surpreender e assustar com o fato de um objeto ter mais valor que uma vida. Deveria nos surpreender o fato de uma mulher não se sentir segura seja viajando solo, andando na rua, ou mesmo dentro de casa”, avalia.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública em 2022, uma mulher foi morta a cada seis horas no país, ou seja, quatro mulheres mortas por dia. No total, foram 1.437 vítimas de feminicídio no ano passado, um aumento de 6,5% em relação aos 1.347 registrados em 2021.
“Se nos chocávamos quando um vírus começou a matar quatro pessoas ao dia, por que não nos choca este dado? Porque não nos choca o costume de deixar de fazer coisas, pelo medo?”, questiona Carina.
O Brasil registrou em 2022 o maior número de estupros da história, de acordo com a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foram 74.930 vítimas, sendo que mais da metade (56.820 casos) são estupros de vulnerável, ou seja, crimes praticados contra menores de 14 anos.
Para Carina é preciso uma maior punição aos casos de feminicídio. “Pois eles subjugam a mulher. Precisamos de mais atenção do Judiciário e polícia aos relatos de agressões contra mulheres. Ainda que a gente queira e vá falar sobre a beleza da arte e do trajeto, precisamos alertar nossa sociedade que o errado não é uma mulher fazer seu caminho sozinha. O errado é este caminho ser interrompido. Isso é que não pode mais acontecer. E lembrar à toda mulher que se sente ameaçada, ligue 180.”
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