El Karaí Octubre
Uma tradição interessante dos que vivem na área rural paraguaia e que irradia para regiões limítrofes da Argentina é aquela relacionada à lenda do “Karaí Octubre”.
Contam os antigos que o “Karaí Octubre” ou “senhor da miséria”, é um ser diabólico que para cumprir sua missão, toma o aspecto de um velho curvado e sisudo. Ele anda geralmente descalço e maltrapilho, com um grande chapéu de palha escondendo seus olhos. Na mão, um enorme chicote feito de couro cru, que ele mesmo trança durante todo o ano.
No início de outubro, Karaí sai a fiscalizar casa por casa quem trabalhou e foi prudente guardando mantimentos para enfrentar a etapa mais difícil do ano, que vai de 1 de outubro até meados de dezembro. Época em que a escassez se apresenta, pois as lavouras recém plantadas na entrada da primavera estão ainda a germinar e a se formar. Mas só produzir e guardar, não basta. Ele também fiscaliza se as pessoas são solidárias, mesmo na escassez.
O corretivo geralmente está no seu chicote, que enlouquece os desprevenidos e mesquinhos com seu horrível assobio numa sessão de castigo. Mas nas vezes em que o justiceiro nota que a carestia está ligada só à preguiça, o “haragano’ sofre mais. Nesse caso, Karaí escolhe em se fazer invisível e permanecer na casa visitada para sempre, promovendo doença e intranquilidade.
Para evitar tamanha desgraça, os campesinos aprenderam que duas coisas são importantes para espantar a feiura apegada a esse estranho visitante. A primeira delas é o costume de se “soprar o rancho’, fazendo vento com distintos utensílios em três cantos da casa, deixando um livre para que por ali escape “a assustada miséria”.
A outra atitude – infalível – é cozinhar uma comida abundante, o suficiente para convidar aos vizinhos num ato de partilha do prazer de comer e estar vivo. Desta maneira, se mostra ao mitológico fiscal que naquela casa nem a preguiça e nem a mesquinharia tomou o lugar do empenho e da precaução. É muito comum no dia primeiro de outubro mesas preparadas em frente às casas, fumegando um bom jopará.
Este prato, o karakú jopará, mistura feijão, milho, abóbora a um bom pedaço de carne com osso e mandioca. (Claro que como todo tratamento mágico, Karaí Octubre não é rigoroso com os ingredientes, mas sim com a fartura e a solidariedade. Assim, variações da receita do jopará (mistura em guarani) são bem aceitas.
Os que passam na prova, estarão a salvo por um ano, recebendo as benesses de boas colheitas, energia para trabalhar e harmonia para desfrutar de um bom tereré e algum prazer.
NOTA DA EDIÇÃO – Estudos do folclore paraguaio e argentino aceitam várias hipóteses para a origem dessa curiosa lenda. Uma delas é a de que “Karaí Octubre” tenha raiz em um festejo guarani, que remontaria tempos anteriores à chegada dos espanhóis ao continente. Quando nos últimos dias de frio os lapachos (ipês) perdiam todas as folhas ao mesmo tempo que floresciam, os guaranis sabiam que no fenômeno estava o sinal de um período de transição, onde escassez e bonança se misturavam e coexistiam. Assim, o renascer das cores na primavera mostrava também a necessidade de se esperar pela coleta dos frutos e do germinar das roças recém cultivadas. O mesmo se dava com o ciclo dos animais. O resultado do cio na primavera seria a caça num momento posterior, perto do inverno seguinte. E, entre causa e efeito da natureza, a escassez e a sabedoria guarani para sobreviver. Celebravam a lógica com comida e dança a Nhanderu.
A chegada dos espanhóis teria incorporado outros elementos culturais a esse conhecimento originário da relação do início da primavera e uma intrínseca escassez. A começar pelo nome da lenda, em ótimo jopará, “Karaí Octubre”. E também pela característica da personagem central que “fiscaliza” e “pune a falta de trabalho”.
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