Imagem produzida pelo Professor Caverna
Provérbios Milenares (6) – “Galo que acompanha pato morre afogado!”
Em um vilarejo remoto, desses onde o tempo parece andar mais devagar, aconteceu uma tragédia que virou assunto em todas as rodas de conversa da região. O protagonista da história, um galo chamado Serapião, famoso por sua ousadia e espírito de aventura, teve um desfecho digno de tragédia shakespeariana ou, como diriam os mais sábios do lugar, “quem não conhece o próprio limite acaba sendo apresentado a ele da pior forma”.
Tudo começou quando Serapião decidiu que ser apenas um galo de terreiro não era suficiente. Ele queria mais. Inspirado pelos longos e despreocupados passeios do pato Jeremias pelo lago da fazenda, o galo passou a seguir o amigo aquático em suas jornadas molhadas. Os dois formaram uma dupla improvável, mas inseparável. Jeremias, sempre calmo, parecia gostar da companhia; já Serapião, inquieto e cheio de energia, não hesitava em testar suas habilidades na água, mesmo sendo, por natureza, péssimo nadador. “O homem é a medida de todas as coisas”, dizia ele, ou melhor, cacarejava, como se tivesse lido Protágoras em alguma folha perdida no quintal.
Por semanas, a dupla era vista passeando à beira do lago. O pato, elegante, deslizava sobre a água como um barquinho; o galo, desajeitado, ficava nas margens, batendo as asas como se um dia pudesse voar ou flutuar. “Não há limite para o que se pode alcançar”, cacarejava o teimoso Serapião, ecoando alguma filosofia que os moradores associavam mais a sua audácia do que a qualquer livro que ele nunca leu.
O problema é que o lago tinha suas armadilhas, especialmente após as chuvas. Com o nível da água mais alto e as correntezas mais fortes, Jeremias parecia deslizar ainda mais rápido. E foi em uma dessas manhãs ensolaradas, com a natureza em festa, que Serapião decidiu que era hora de desafiar o impossível: mergulhar de vez e seguir Jeremias até o centro do lago.
As galinhas do terreiro, que acompanhavam o galo com olhares preocupados, cacarejavam em coro: “Isso vai dar ruim!” Mas Serapião, com sua crista vermelha erguida como uma coroa de coragem, ignorou os avisos. Ele deu um salto desengonçado e caiu na água com um “plof” que ecoou por todo o lago. O pato Jeremias, inicialmente surpreso, olhou para trás e fez um grasnado de incentivo. Ou, quem sabe, um alerta?
A princípio, Serapião parecia estar indo bem ou, pelo menos, não afundava tão rápido. Mas logo a realidade bateu. As asas que o ajudavam a se exibir no terreiro eram inúteis na água. O esforço para acompanhar Jeremias era visível e, enquanto o pato deslizava com naturalidade, Serapião afundava um pouco mais a cada batida desengonçada de suas asas.
A tragédia não demorou a acontecer. Entre uma onda e outra, o galo desapareceu. Jeremias, percebendo a ausência do amigo, voltou para as margens, grasnando em desespero. As galinhas, que assistiam a cena horrorizadas, cacarejaram, cacarejaram e cacarejaram. E assim, o galo que ousou demais terminou seus dias como um exemplo de que a natureza tem suas próprias regras e de que nem todo espírito aventureiro é feito para navegar.
No dia seguinte, a história de Serapião estava na boca do povo. Alguns lamentavam a perda; outros riam da teimosia do galo. O sábio do vilarejo, conhecido como Seu Ananias, deu sua interpretação filosófica ao ocorrido: “Como já disse Nietzsche, quem luta com monstros deve ter cuidado para não se tornar um. E quem encara o lago, cuidado para não ser engolido por ele.”
A morte de Serapião virou lenda. As crianças do vilarejo contavam e recontavam a história com detalhes cada vez mais exagerados. Diziam que ele tentou ensinar Jeremias a cantar, e que seu último cacarejo parecia um hino de coragem. Até um monumento improvisado foi erguido próximo ao lago: uma pedra com a crista de um galo esculpida em giz e a frase que todos repetiam desde o fatídico dia: “Galo que acompanha pato morre afogado.”
Se há uma lição nessa história, talvez seja a de que coragem e prudência precisam andar juntas, ou que cada um deve respeitar seus limites e talentos naturais. Mas, sejamos honestos, o que ficou mesmo foi a imagem de Serapião, destemido e determinado, pulando para o lago com a convicção de que poderia desafiar as regras do universo. Afinal, como diria outro filósofo que provavelmente Serapião desconhecia, Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo.”
E você, tem nadado em lagos que não foram feitos para você?
Obs. Ficção criada para estimular sua reflexão, nada mais!
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Tempo, poema do professor Caverna
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