(Foto: Ana Dagorret/ARGMedios)
Como em 2018, o Projeto de Lei pela Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE na sigla em espanhol) chegou ao Senado após 15 anos de mobilização da Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito. Mas, ao contrário de 2018, desta vez o projeto foi apresentado pelo Poder Executivo, promessa de campanha do governo de Alberto Fernández ao final de seu primeiro ano de mandato.
Na madrugada desta quarta-feira (30). ainda especulava-se sobre um possível empate entre os votos favoráveis e contrários ao projeto, que legaliza o aborto no país até a 14ª semana. Naquele momento, o partido governista contabilizava 32 votos a favor da lei e 32 contra, seis abstenções e duas ausentes, um panorama amplo que prometia ser definido de madrugada e que deixava espaço para uma possível derrota.
Ainda com o placar empatado, mas com a possibilidade de somar dois indecisos e crescente ansiedade, a senadora Silvina García Larraburu, da Frente de Todos, antecipou seu voto favorável à aprovação do projeto. A parlamentar, em 2018, havia votado contra a iniciativa.
“Meu voto é por uma mulher livre, que possa decidir por sua própria consciência; meu voto é um voto desconstruído, é um voto afirmativo”, afirmou a senadora.
“A legalização do aborto é uma dívida da democracia”, afirma ativista argentina
Enquanto a votação ocorria no Senado Federal, desde às 16h, com 30 graus de sombra e céu claro, as militantes pelo aborto legal e apoiadores começaram a chegar bandeiras e faixas nos arredores do Congresso.
Aborto legal, seguro e gratuito é fruto da mobilização e debate da sociedade argentina. (Foto: Ana Dagorret/ARGMedios)
As ruas estavam vestidas de verde e havia especulações sobre a possibilidade de a vice-presidenta Cristina Kirchner definir a votação em caso de empate, mas a próxima grande surpresa na votação veio da senadora Stella Olalla, da coligação opositora Juntos por el Cambio [Juntos pela Mudança], que se pronunciou a favor da legalização do aborto dizendo que “estamos tentando reduzir as mortes e as gravíssimas consequências das mulheres que abortam na clandestinidade”.
Assim, a contagem passou a ser de 34 votos positivos contra 32 contrários e quatro indecisos. Enquanto as senadores e senadores do partido governista transmitiam calma e confiança no resultado final desde as primeiras horas da madrugada, nas ruas, as organizações feministas organizadas na maré verde ganhavam espaço. Já no lado celeste [em referência à cor da bandeira argentina], como são conhecidas as organizações antidireitos das mulheres, o nervosismo tomava conta e se falava que, diante de um resultado favorável à legalização, iriam à justiça. Como muitos dos que votaram contra, argumentavam que trata-se de uma lei inconstitucional.
Do outro lado, a confiança aumentava, mas a cautela e o precedente da votação no Senado em 2018 continuaram a atrasar as festividades.
Com o voto favorável de Lucila Crexel, do Juntos por el Cambio, a esperança verde começou a tomar forma: “A estratégia punitiva falhou e condenou duramente as mulheres, injustamente, é pela história de muitas mulheres que sofreram com a aplicação de justiça injusta”, declarou a senadora ao dizer sim ao aborto legal.
À medida que mais e mais mulheres se reuniam do lado de fora do Senado, durante a madrugada, o discurso da senadora de centro-direita Gladys Gonzalez (PRO) ganhou os aplausos das presentes ao questionar a intervenção do discurso religioso no debate público.
“Você realmente acredita que é cristão condenar mulheres que decidem interromper uma gravidez? Acho que não ”, disse a legisladora e acrescentou:“ Eu poderia escolher por mim mesma e minhas filhas podem fazer por elas, mas infelizmente a maioria neste país não teve as mesmas oportunidades. Quer criminalizar quando éramos nós que não chegávamos a tempo? ”
Com o debate em andamento, as notícias sobre o voto positivo de dois indecisos anteciparam a comemoração: Sergio Leavy e Edgardo Kuelder da Frente de Todos, bem como Alberto Weretilneck, do Juntos por el Cambio, anunciaram que votariam a favor da iniciativa.
Em seu discurso, Leavy chegou a dizer que “essa lei não promove o aborto, apenas lhe dá um marco legal e seguro”. Por sua vez, Weretilnek, um dps últimas a apresentar, declarou que “hoje estamos discutindo isso porque é absolutamente inevitável” e destacou a luta do movimento feminista que impulsionou o debate desde sua primeira passagem pelo Congresso.
Com a última intervenção da madrugada, o calor aumentou ao ritmo dos tambores estrondosos e das batucadas, enquanto todos os olhos se voltaram para a tela que transmitia o debate ao vivo. Com o fechamento do senador José Mayans, às 4h13 desta quarta-feira (29), a tela do Senado marcou 38 votos favoráveis, 29 contrários e uma abstenção, desencadeando o grito ensurdecedor e o abraço coletivo mais esperado do ano.
Em meio a lágrimas, risos, gritos e comemorações, a maré verde se espalhou pelo centro da cidade de Buenos Aires junto com primeiros raios de sol do dia. Após anos de militância e debates, a Argentina chega ao final de 2020, um ano tão difícil, com a legalização da interrupção voluntária da gravidez, uma conquista dos movimentos feministas e um triunfo que será celebrado em toda a região.
Em conjunto com a Lei do aborto legal, foi apresentada outra iniciativa pelo governo da Frente de Todos, denominada “Plano dos mil dias”, uma alternativa para as mulheres grávidas que decidem continuar com a gravidez a ter uma contribuição do Estado nos primeiros anos de maternidade. A proposta também foi aprovada nesta madrugada, com unanimidade.
O que diz o projeto de lei original.
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