Cineasta alagoano foi entrevistado no programa Trilha de Letras, em 2018 – © Frame TV Brasil
“Inventamos uma imagem do Brasil para o cinema. E para fazer isso, não tínhamos uma tradição cinematográfica à qual recorrer”, comentou Diegues ao ser entrevistado, em 2018, no programa Trilha de Letras, da TV Brasil, mantida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Um dos últimos remanescentes do grupo que reuniu Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), Paulo César Saraceni (1933-2012), Domingos de Oliveira (1936-2019), Leon Hirszman (1937-1987), Glauber Rocha (1939-1981) entre outros artistas e intelectuais influenciados pela nouvelle vague francesa e pelo neorrealismo italiano, Diegues apostou na força de filmes autorais, de menor custo de produção e que motivassem o espectador a refletir sobre os graves problemas sociais brasileiros.
“Um filme não muda nada. Ele não é uma arma para mudar o mundo, mas é uma maneira de pensar o mundo de outro modo; de provocar pensamentos mais originais”, refletiu Diegues, durante o bate-papo com o escritor e roteirista Raphael Montes, então apresentador do Trilha de Letras.
Diegues dizia não ser otimista por não acreditar que as coisas dariam certas por si só. Para ele, o sucesso era fruto da dedicação e do trabalho. Por isso, dizia ser um sujeito “esperançoso”. “Tenho sempre a esperança de que as coisas deem certo e [a convicção de que] para isso [a gente tem] que correr atrás; fazer para que deem certo.” Receita que aparentemente o ajudou a conquistar prêmios em diversos festivais nacionais e internacionais. E a ser eleito para o assento da Academia Brasileira de Letras (ABL) antes ocupado por seu colega Nelson Pereira dos Santos.
Entre as obras mais conhecidas de Diegues estão Ganga Zumba (1964), A Grande Cidade (1966), Os Herdeiros (1969), Xica da Silva (1976), Bye Bye, Brasil (1980), Tieta do Agreste (1996), Orfeu (1999) e Deus é Brasileiro (2002). O Grande Circo Místico (2018) foi seu último lançamento como diretor.
Um dos precursores do movimento artístico Cinema Novo, Carlos Diegues nasceu em 19 de maio de 1940, em Maceió (AL), e mudou-se para o Rio de Janeiro, com a família, aos seis anos de idade.
Começou no cinema quando ainda estava no Diretório Estudantil da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), onde fundou um cineclube e passou a fazer produções cinematográficas amadoras, junto com colegas como Arnaldo Jabor.
O cineclube foi um dos núcleos de fundação do Cinema Novo, movimento inspirado pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa, e marcado pelas críticas políticas e sociais, principalmente durante a ditadura militar.
Entre suas produções dentro do movimento, destacam-se Ganga Zumba (1964), A Grande Cidade (1966) e Os Herdeiros (1969). Em 1969, deixou o Brasil e foi morar na Europa, por ter participado da resistência intelectual e política à ditadura. Ao retornar, na década de 70, dirigiu Quando o Carnaval Chegar (1972), Joanna Francesa (1973), Xica da Silva (1976), Chuvas de Verão (1978) e Bye Bye, Brasil (1980).
No período de retomada do cinema brasileiro, lançou Tieta do Agreste (1996), Orfeu (1999) e Deus é Brasileiro (2002). O Grande Circo Místico (2018) foi seu último lançamento como diretor.
Ao longo de sua carreira, conquistou prêmios em inúmeros festivais nacionais e internacionais. Em 2018, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras na vaga de Nelson Pereira dos Santos.
A morte de Cacá Diegues, aos 84 anos de idade, repercutiu entre intelectuais, artistas e políticos de diferentes correntes ideológicas. À reportagem da Agência Brasil, Raphael Montes, ex-apresentador do Trilha de Letras, disse que o cineasta, aos 84 anos de idade, seguia cheio de vontade de contar histórias. E sempre atento às novidades.
“O Cacá aceitou meu convite para participar do programa porque nós havíamos nos tornado amigos pouco tempo antes, quando eu estava começando minha carreira como roteirista. Ele me procurou porque queria fazer um filme com uma pegada de suspense, cujo título seria A Dama. A ideia era que o filme fosse protagonizado por duas grandes personagens, uma interpretada por uma atriz mais velha e outra pela filha dele, a Flora Diegues, que já estava doente na ocasião. Seria uma forma até de ele eternizá-la, mas, infelizmente, a Flora faleceu, e o filme acabou não acontecendo”, contou Montes, explicando que, com a morte da filha de 34 anos, vitimada por um câncer no cérebro, em 2019, o diretor abortou o projeto.
“O assunto terminou aí. Felizmente, nos tornamos amigos e ele, ao longo dos anos, acompanhou minha carreira; sempre que eu assistia a um filme legal, indicava para ele e trocávamos muitas ideias. E o que mais me marcou foi que ele sempre foi muito atento ao novo. Ele tinha uma curiosidade quase juvenil e, apesar da idade, não achava que sabia tudo.”
“Sua obra equilibrou popularidade e profundidade artística, abordando temas sociais e culturais com sensibilidade. Durante a ditadura militar, viveu no exílio, mantendo-se sempre ativo no debate sobre política, cultura e cinema. A ABL expressa solidariedade à esposa, Renata Almeida Magalhães e aos filhos”, informou a ABL, por meio de nota divulgada em suas rede sociais.
No X (antigo Twitter), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ter recebido a notícia com “muito pesar”. “[Ele] levou o Brasil e a cultura brasileira para as telas do cinema e conquistou a atenção de todo o mundo. Ganga Zumba, Xica da Silva, Bye, Bye Brasil, e, mais recentemente, Deus é Brasileiro mostram muito bem nossa história, nosso jeito de ser, nossa criatividade. E representam a luta de nosso cinema, que sempre se reergueu quando tentaram derrubá-lo. Meus sentimentos aos familiares, colegas e fãs do grande Cacá Diegues.”
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, usou a mesma rede social para prestar uma homenagem à memória do cineasta. “O Brasil se despede hoje de um dos grandes mestres do nosso cinema. Cacá Diegues, cineasta genial e um dos pilares do Cinema Novo. Sua obra foi marcada por grandes filmes e ajudou a contar a história do nosso povo com sensibilidade. Minha solidariedade à família e aos amigos.”
Ex-ministro da Cultura e também membro da ABL, o músico baiano Gilberto Gil também comentou o falecimento do companheiro acadêmico. “Descanse em paz, grande amigo imortal, Cacá Diegues”.
A atriz Zezé Mota, que estrelou o filme Xica da Silva, relembrou a experiência de trabalhar com o diretor.
“Há 49 anos, conseguimos levar mais de três milhões de brasileiros ao cinema – falo de uma época em que não existia internet no Brasil. Viajamos com Xica da Silva para mais de 10 países e ganhei projeção nacional e internacional com este personagem, levei o troféu de melhor atriz em quase todos os principais festivais de cinema do ano de 1976, entre outros prêmios. Xica da Silva é, será sempre minha eterna fada madrinha. Foi fundamental para a construção da primeira grande imagem da “escrava que virou rainha” diante da opinião pública”, comentou Zezé, dizendo ser eternamente grata a Cacá por tê-la “presenteado” com um dos principais papéis de sua trajetória artística.
O jornalista Aluizio Palmar, criador do site Documentos Revelados e contemporâneo do cineasta, escreveu: “Cacá Diegues foi um dos grandes nomes do cinema brasileiro e da resistência política e cultural. Como parte do Cinema Novo, usou sua arte para questionar desigualdades e denunciar as contradições do Brasil. Seu cinema sempre esteve ao lado dos marginalizados, trazendo para a tela as lutas populares e os conflitos sociais.
No site Documentos Revelados, é possível encontrar o vídeo Os Oito Universitários, produzido por Cacá Diegues nos anos 1960, em 16 mm. O filme, que registra discussões sobre o movimento estudantil, reflete o compromisso de Diegues com as lutas sociais desde o início de sua trajetória. Acesse, aqui: https://documentosrevelados.com.br/registro-de-um-encontro-em-que-estudantes-discutem-opcoes-de-acao-politica-durante-a-ditadura-militar/
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