Almerinda Farias Gama e Baltazar da Silveira, durante a eleição de representantes classistas para a Assembleia Nacional Constituinte de 1934. Rio de Janeiro, julho de 1933. Fotografia: CPDOC/FGV
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É justo dizer que, hoje em dia, o nome de Almerinda Farias Gama é bem menos lembrado do que deveria. Advogada e sindicalista, ela foi uma pioneira na atuação de mulheres negras na política brasileira, e uma das duas primeiras a participar do processo de formação de uma Assembleia Constituinte, em 1934 – a outra foi Carlota Pereira de Queirós. Nascida em Maceió (AL) no dia 16 de maio de 1899, Almerinda tem um importante papel na história da militância feminista no Brasil, dentro e fora dos sindicatos.
Ela mudou-se para o Pará ainda na infância, após o falecimento do pai, e foi criada por uma de suas tias. Trabalhou como datilógrafa, escreveu crônicas para o jornal A Província e chegou a casar-se e ter um filho; porém, perdeu o filho ainda na infância, e acabou também ficando viúva em 1926, quando o marido foi vitimado pela tuberculose. A mudança para o Rio de Janeiro, em 1929, teve motivação em uma injustiça trabalhista: quando soube que seu colega homem recebia 300 réis para o mesmo trabalho que ela fazia por 200 réis, revoltou-se e decidiu ir para um lugar onde tivesse chance de receber um salário melhor.
Vivendo no Rio, Almerinda formou-se advogada, e envolveu-se de vez nas lutas políticas e feministas. Presidiu o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos, e tornou-se apoiadora de Bertha Lutz, presidente da Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino e figura engajada na conquista do direito ao voto pelas mulheres. Como representante classista, acabou sendo indicada, em 1933, como delegada na votação que escolheu os integrantes da Assembleia Nacional que elaboraria uma nova Constituição para o Brasil.
No ano seguinte, concorreu pelo Distrito Federal (então localizado na cidade do Rio de Janeiro) nas eleições parlamentares, descrevendo a si mesma em panfletos como “advogada consciente dos direitos das classes trabalhadoras, jornalista combativa e feminista de ação”. Embora não tenha sido eleita, permaneceu na política durante algum tempo, tendo sido dirigente do Partido Socialista Proletário do Brasil, surgido durante os trabalhos da Assembleia Constituinte e que durou até a instauração do chamado Estado Novo, em 1937.
Nos anos posteriores, Almerinda Farias Gama manteve-se afastada das disputas políticas e sindicais. Não há registro, nas fontes disponíveis, da data de sua morte: é sabido, porém, que concedeu uma longa entrevista ao projeto Velhos Militantes, em 1984, e há indícios de que teria vivido pelo menos até o começo dos anos 1990, residindo em um subúrbio do Rio.
Hoje, a antiga militante é vista como uma importante desbravadora do caminho da política para as mulheres brasileiras, em especial no que se refere a mulheres negras disputando cargos eletivos. Aos poucos, sua memória vai ganhando evidência: em 2016, a prefeitura de São Paulo instituiu o Prêmio Almerinda Farias Gama, voltado a iniciativas em comunicação social ligadas à defesa da população negra. (Igor Natusch / Democracia e Mundo do Trabalho)
Leia também: Entrevista de Almerinda Gama ao projeto Velhos Militantes, aqui.
Veja aqui alguns aspectos da trajetória do direito feminino no país. Estudar, trabalhar, votar, divorciar-se. As brasileiras do começo do século 19 não tinham nenhum desses direitos.
Até 1830, para se ter ideia, a lei permitia que os maridos castigassem fisicamente as esposas, uma herança das Ordenações Filipinas, um conjunto de leis de origem espanhola adotada por Portugal e implantada no Brasil colônia.
Até 1962, as mulheres casadas precisavam de autorização formal dos maridos para trabalhar – o Código Civil de 1916 via a mulher como incapaz para realizar certas atividades.
Nas escolas, até 1854 as meninas aprendiam corte, costura e outras “prendas domésticas”, enquanto aos meninos se ensinava ciências, geometria e operações mais avançadas de matemática. Depois que o currículo foi unificado no ensino básico, ainda foram necessárias várias décadas até que as mulheres tivessem acesso mais amplo às universidades, algo que só ocorreu depois de 1930.
O direito de votar veio em 1932 – com a promulgação do decreto nº 21.076 no dia 24 de fevereiro, há exatos 90 anos -, como mais um capítulo de uma história longa, que vai muito além do acesso às urnas.
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