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Dez chamamentos ao amigo (in Júbilo, memória, noviciado da paixão)
I Se te pareço noturna e imperfeita Olha-me de novo. Porque esta noite Olhei-me a mim, como se tu me olhasses. E era como se a água Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio E deslizando apenas, nem tocar a margem
Te olhei. E há tanto tempo Espero Que o teu corpo de água mais fraterno Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez. E mais atento.
II Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me. E eu te direi que nosso tempo é ágora. Esplêndida avidez, vasta ventura Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça Demasiado intensa. E de aspereza. E transitória se tu me repensas.
III Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado Faria do meu rosto de parábola Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria Onde os raros amigos me sorriam Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia Te tomava. Aventurança, amigo, Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido
IV Minha medida? Amor. E tua boca na minha Imerecida.
Minha vergonha? O verso Ardente. E o meu rosto Reverso de quem sonha.
Meu chamamento? Sagitário Ao meu lado Enlaçado ao Touro.
Minha riqueza? Procura Obstinada, tua presença Em tudo: julho, agosto Zodíaco antevisto, página
Ilustrada da revista Editorial, jornal Teia cindida.
Em cada canto da Casa Evidência veemente Do teu rosto.
V Nós dois passamos. E os amigos E toda minha seiva, meu suplício De jamais ver, teu desamor também Há de passar. Sou apenas poeta
E tu, lúcido, fazedor da palavra, Inconsentido, nítido
Nós dois passamos porque assim é sempre. E singular e raro este tempo inventivo Circundando a palavra. Trevo escuro
Desmemoriado, coincidido e ardente NO meu tempo de vida tão maduro.
VI Sorrio quando penso Em que lugar da sala Guardarás o meu verso. Distanciado Dos teus livros políticos? Na primeira gaveta Mais próxima à janela? Tu sorris quando lês Ou te cansas de ver Tamanha perdição Amorável centelha No meu rosto maduro? E te pareço bela Ou apenas pareço Mais poeta talvez E menos séria? O que pensa o homem Do poeta? Que não há verdade Na minha embriaguez E que me preferes Amiga mais pacífica E menos aventura? Que é de todo impossível Guardar na tua sala Vestígio passional Da minha linguagem? Eu te pareço louca? Eu te pareço pura? Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?
VII Foi Julho sim. E nunca mais esqueço. O ouro em mim, a palavra Irisada na minha boca A urgência de me dizer em amor Tatuada de memória e confidência. Setembro em enorme silêncio Distancia meu rosto. Te pergunto: De Julho em mim ainda se lembras?
Disseram-me os amigos que Saturno Se refaz este ano. E é tigre E é verdugo. E que os amantes
Pensativos, glaciais Ficarão surdos ao canto comovido. E em sendo assim, amor, De que me adianta a mim, te dizer mais?
VIII De lulas, desatino e aguaceiro Todas as noites que não foram tuas. Amigos e meninos de ternura
Intocada meu rosto-pensamento Intocado meu corpo e tão mais triste Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua Meus pequenos amores. A ciência De me deixar amar Sem amargura. E que me deem
A enorme incoerência De desamar, amando. E te lembrando
— Fazedor de desgosto — Que eu te esqueça.
IX Esse poeta em mim sempre morrendo Se tenta repetir salmodiado: Como te conhecer, arquiteto do tempo Como saber de mim, sem te saber? Algidez do teu gesto, minha cegueira E o casto incendiado momento Se ao teu lado me vejo. As tardes Fiandeiras, as tardes que eu amava, Matéria da solidão, íntimas, claras Sofrem a sonolência de umas águas Como se um barco recusasse sempre A liquidez. Minhas tardes dilatas
Sobre-existindo apenas Porque à noite retomo a minha verdade: Teu contorno, teu rosto, álgido sim
E por isso, quem sabe, tão amado.
X Não é apenas um vago, modulado sentimento O que me faz cantar enormemente A memória de nós. É mais. É como um sopro De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso É como se a despedida se fizesse o gozo De saber Que há no teu todo e no meu um espaço Oloroso, onde não vive o adeus
Não é apenas vaidade de querer Que aos cinquenta Tua alma e teu corpo se enterneçam De graça, da justeza do poema. É mais. E porisso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença.
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