Ana Maria Primavesi participa de sessão de autógrafos na II Feira Nacional da Reforma Agrária, em 2017 – Foto: Júlia Dolce
No dia 03 de outubro é celebrado o Dia da Agroecologia, em homenagem ao nascimento da engenheira agrônoma e escritora, Ana Maria Primavesi, uma das pioneiras no estudo de Agroecologia no Brasil.
De origem austríaca, Primavesi chegou em 1948 no país, onde passou a lecionar na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, e dedicou a sua vida ao estudo dos solos como um organismo vivo, respeitando a relação solo-planta-clima.
Autora de diversos livros, uma das publicações de maior influência “Manejo ecológico do solo” revolucionou ao apresentar práticas de correção das causas de doenças e pragas, ao invés de receitar o uso de agrotóxicos, se tornando um marco na ciência agronômica que impulsionou o desenvolvimento da agroecologia no país.
A sua capacidade de observar a natureza era de uma sensibilidade que conseguia traduzir de forma simples a ciência dos solos, tanto para academia, mas também para os camponeses. Dentre as suas publicações há também o livro de contos agroecológicos “Convenção dos ventos” uma forma sensível de ver a natureza.
A geógrafa e professora Virgínia Mendonça Knabben, que em 2016 publicou a biografia “Ana Maria Primavesi: histórias de vida e agroecologia”, pela editora Expressão Popular, em artigo para o jornal Brasil de Fato, ressalta a importância de Ana Maria Primavesi para o movimento pela reforma agrária no Brasil.
“Em maio de 2006, Ana Maria Primavesi, engenheira agrônoma radicada no Brasil e expoente maior da Agroecologia, aceitou prontamente o convite da equipe da ELAA* (Escola Latino-Americana de Agroecologia) para ministrar aulas junto à primeira turma no Curso de Tecnologia em Agroecologia no Assentamento Contestado, município da Lapa, estado do Paraná.
Trabalhando como voluntária (o que normalmente fazia), Ana participou da primeira etapa do primeiro curso de graduação em Agroecologia no Brasil. Gratidão e encantamento eram sentimentos que se mesclavam naquele ambiente de partilha entre os que a assistiam. No terceiro e último dia, concluído o trabalho, ainda no pátio da escola, ela parou, voltou-se e contemplou o casarão colonial onde estivera parte do tempo trabalhando com os educandos e as educandas. Logo ela disse em voz baixa e embargada para José Maria Tardin, um dos participantes e que se tornou, depois, seu grande amigo: “Agora eu sei que a Agroecologia não tem volta”.
Tardin conta que o silêncio, o entardecer e a fala de Ana fizeram daquele momento algo mágico, inesquecível. Palavras proféticas de uma mulher que nem sabia o quanto aquilo seria pura realidade.
(…)
Ana Primavesi viajou muitas outras vezes a convite de agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) para dar assistência técnica aos assentados. Acreditando que as pessoas que recebem terras pela reforma agrária precisam de ajuda em todos os sentidos, ela participou inúmeras vezes de encontros, dando palestras e prestando assessoria técnica. Era solidária às pessoas, desejosa de que a terra fosse bem cuidada e frutificasse. Sua presença era muito festejada: ela dava palestras, assessoria técnica e participava ativamente de Encontros de Agroecologia. Seus livros e cartilhas tornaram-se a base de estudo e aprofundamento, porque fazer parte do MST os obriga a estudar. Sua contribuição científica proporcionou às pessoas ligadas ao MST a base sobre a qual puderam, em muitos pontos do país, organizar escolas de Agroecologia e desenvolver experiências práticas que lhes proporcionassem autonomia: tornavam-se mestres de si mesmos.
Era com o pequeno agricultor que Ana mais gostava de estar, “porque os agrônomos e estudantes de agronomia acham que sabem de tudo e depois não vão praticar Agroecologia na vida real”, dizia. As críticas que recebia por ajudar as pessoas do MST não a demoveram. E lá ia ela, transparências a tiracolo (Ana usava muito o retroprojetor com transparências naquela época, talvez o antepassado do power point de hoje) e muita disposição para ajudar a quem quisesse, precisasse e pedisse. Em sua biografia, lançada em 2016, há um capítulo só para este tema, cujo título é “Com terras, sem nada”. Ela mesma redigiu um trechinho:
“Terra não é fonte de lucro, nem dádiva social, nem objeto de especulação ou modalidade de poupança. Terra é a base vital da humanidade. A reforma agrária não está levando isso em consideração. A terra tem de garantir a segurança alimentar. Diz-se que alimentação é um direito humano, mas não significa a posse de terra com a agricultura terceirizada produzindo mercadorias exportáveis. Obriga-se os assentados a produzir alimentos para que todos tenham o direito de se alimentar. O que está errado nos assentamentos e nessa reforma agrária? A entrega da terra a colonos não é o fim de um processo, mas o início. Eles necessitam de uma tecnologia melhor do que a convencional, que lhes permita ficar na terra, além de atendimento técnico, social e espiritual, e também de conhecimentos administrativos. Deveriam ser associados a cooperativas de compra e venda de produtos e insumos, formar mutirões para diversas atividades como a manutenção do gado, a colheita e talvez até o plantio, e finalmente ter máquinas em conjunto, o que lhes permitiria fazer os serviços mais urgentes com maior rapidez.” (Ana Maria Primovesi). “
*** A ELAA é uma escola criada pela Via Campesina, sendo a primeira escola a oferecer uma graduação em Agroecologia no Brasil, tendo realizado seu ato público fundacional em 27 de agosto de 2005. Acolhe educandas e educandos da América Latina, e constitui a rede de Institutos de Agroecologia Latino-Americanos – IALA da Via Campesina
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