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Elegia do Tempo Tardio
Na verdade eu esperava que o tempo fosse mais lento que o amor fosse mais pleno e a vida não fosse avara.
Estava combinado, eu lembro, a esta altura eu seria poeta consagrado e mais seria, imaginem, cineasta premiado, em Cannes, com foto retocada, em cores, no Cahiers de Cinemá.
Tanto engenho, tanta arte tanta invenção, tanto gênio, ai, sucesso no além-mar.
Os livros que se amontoam, esquecidos, seriam lidos, segundo um projeto antigo. Além da literatura, beber toda a filosofia, dos gregos aos orientais. Estudar ciências ocultas e as ciências naturais. Quem mais saberia, do saber universal?
Mas agora é tarde, senhores falharam os planos iniciais, tudo foi perdido pelo outro que me domina e insiste em levar a vida por mim.
Esse que me gastou em vícios dedicou-me aos prazeres, fez-me íntimo do poder e deu-me fortuna e fama na mesa do jogo e da morte. Por ele amei sem amar mulheres Para ele senti-me maior e mais forte quando aplaudido em bordéis.
Hoje não me é fácil confrontá-lo como se diante do fundo espesso de um espelho retorcido me deparasse com rosto semelhante agônico, íntimo, conhecido que me sorri com ironia e debocha de meu espanto.
Sei que não há muito a fazer nada a recuperar ou que deva lamentar, mas em vingança ainda roubo a esse outro eu que me trai, do pouco tempo que temos algum que aplico em sonhos, impossíveis, mas reais.
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