Turma do segundo ano da faculdade, em 1970. Alexandre, de óculos à esquerda na foto, traz a mão no ombro do colega; foto em detalhe do estudante – Foto: Roberto Nakamura
Alexandre Vannucchi Leme tinha 22 anos e cursava o quarto ano de Geologia na USP quando foi torturado até a morte no DOI-Codi de São Paulo – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna -, o mais temido órgão de repressão política da ditadura militar, chamado de “sucursal do inferno” por seu diretor, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra. Sua biografia é contada no livro Eu só disse meu nome (Editora Discurso e Instituto Vladimir Herzog), de autoria de seu primo de segundo grau Camilo Vannuchi, jornalista e escritor especializado em direitos humanos, que foi membro e relator da Comissão da Verdade da prefeitura de São Paulo (2016) e também escreveu em 2020 sobre a vala de Perus, cemitério clandestino onde a ditadura militar escondeu as ossadas de vítimas da repressão.
“Chegando perto dos 50 anos da morte do Alexandre, que foi em março de 2023, achei que era o momento de contar a história dele de novo, e bem contada, porque é uma história que na própria USP, onde ele dá nome ao Diretório Central dos Estudantes, as novas gerações não sabem quem foi. A maioria vê o rosto dele em bandeiras, mas não tem ideia do que aconteceu e porque ele dá nome ao DCE”, explica Camilo Vannuchi. “Também faltava um livro que unificasse a história dele de um jeito que expandisse o público para além daquele já formado por pessoas que acompanham o tema de ditadura, justiça e direito.”
Camilo Vannuchi, jornalista e autor do livro e do podcast – Foto: Arquivo pessoal
O livro combina memórias com relato jornalístico, em um enredo de não ficção que percorre infância e adolescência de Alexandre em Sorocaba, sua militância no movimento estudantil em São Paulo, uma investigação sobre as circunstâncias de sua morte e também o que veio depois: a busca de seus pais pelos restos mortais, a luta por verdade, justiça e reparação, a fundação do Diretório Central dos Estudantes da USP batizado com seu nome e a construção de Alexandre como símbolo de resistência ao arbítrio e de defesa da democracia. A obra inclui ainda testemunhos do autor, de sua convivência com a memória do primo e sua permanência.
“Ele viveu só 20 anos de idade e não foi um ícone ou líder revolucionário da época e da luta pela democracia. Ele tinha uma atividade modesta e ganhou repercussão a partir de sua morte, momento em que há uma comoção marcada pela missa na Catedral da Sé. Depois há uma sequência de prisões de 20 estudantes da USP, que coincide com o desmantelamento da ALN [Ação Libertadora Nacional], organização com a qual ele colaborava, e a criação da Aesi, órgão de assessoramento da Reitoria da USP para acompanhar e investigar professores, funcionários e alunos”, diz o autor, que ainda buscou contar no livro os eventos do ano passado em homenagem ao estudante, que recebeu a diplomação simbólica como geólogo pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP.
Em 1970, recepção aos calouros do curso de Geologia da USP, na Cidade Universitária. Alexandre, o primeiro à esquerda, tem o corpo lambuzado com óleo num dos trotes comuns na época – Foto: Autor desconhecido/Acervo de Dirceu Pagotto Stein
Camilo disse que foi motivado a escrever o livro também para dialogar sobre lugar ocupa hoje o estudo da ditadura militar, o legado que ela deixou e o que as pessoas entendem dela a ponto do país ter eleito um cidadão que se orgulha de elogiar a tortura e a ditadura no Brasil. “Tivemos um presidente que apresentava como ídolo dele o Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi um torturador, responsável pela morte do meu primo Alexandre. Também houve uma tentativa de golpe em 2022. Então é uma resistência da democracia e o tempo todo continuamos convivendo com a fragilidade do que imaginávamos estar consolidado”, destaca.
Capa do livro – Foto: Editora Discurso Direto
“A história do Alexandre também é um incentivo para o movimento estudantil de hoje, pela importância de ter um idealismo como teve o movimento dos anos 70, não necessariamente nos mesmos moldes, e de pensar muito além das salas de aula, dos corredores e laboratórios, e mostrar que há uma influência importante dos estudantes na sociedade brasileira que é importante pensar nesse momento”, pontua o autor.
“Aluno aplicado, primeiro colocado no vestibular, Alexandre atuava no movimento estudantil e elaborava panfletos para denunciar violações de direitos e defender a volta da democracia. Um ano antes de ser preso, aproximou-se da Ação Libertadora Nacional, organização que havia sido liderada por Carlos Marighella, e passou a apoiá-la no ambiente universitário”, destaca o site da editora sobre a publicação. “Foi morto no segundo dia de torturas, em 17 de março de 1973, vitimado por uma hemorragia interna, ainda se recuperando de uma cirurgia de remoção do apêndice, feita no final de janeiro”.
Na época, “Dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo de São Paulo, decidiu realizar uma missa de sétimo dia na Catedral da Sé. Denunciou publicamente a versão falsa de atropelamento, divulgada pela repressão. A homenagem se tornou a primeira grande manifestação popular de repúdio à ditadura e de denúncia da tortura desde o início do governo Médici, o mais truculento daquele período”.
Para popularizar a história de Alexandre Vannucchi Leme, Camilo também lançou uma série de quatro episódios de podcasts, que possuem roteiro diferente do livro e incluem a voz de pessoas que participaram da vida do estudante. A série está disponível em plataformas como o Spotify, onde está entre os cinco podcasts de história mais ouvidos no Brasil. O projeto tem parceria com o Instituto Vladimir Herzog e está disponível neste link ou nos players abaixo:
.
O livro Eu só disse meu nome foi publicado pela Editora Discurso Direto e Instituto Vladimir Herzog, com 192 páginas e valor de R$ 73,00. Mais informações no site da editora.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.