Produção das marmitas solidárias do MST em Curitiba. Foto: Joka Madruga / Terra Sem Males
Refeições com o gostinho da cultura camponesa e temperadas com a solidariedade e união entre o campo e cidade. Essas são as marcas da ação “Marmitas da Terra”, que começou por iniciativa do MST e atualmente envolve um coletivo de cerca de 70 pessoas voluntárias, entre elas integrantes de movimentos urbanos, mandatos populares, campanhas e estudantes.
Mais de 12.600 marmitas já produzidas e distribuídas gratuitamente para pessoas em situação de rua, trabalhadores de aplicativos e moradores/as de bairros da periferia de Curitiba e Região Metropolitana. Cerca de 700 marmitas são doadas todas as quartas-feiras, a partir de produtos vindos principalmente de áreas da Reforma Agrária e da Agricultura Familiar.
Na próxima semana, 5 mil quentinhas serão distribuídas como parte do Gritos dos Excluídos, que traz como tema “Vida em primeiro lugar: Basta de miséria, preconceito e repressão! Queremos terra, trabalho, teto e participação”.
Além da produção das refeições, o grupo realiza mutirões de colheita e plantio de alimentos em unidades produtivas da Agricultura Familiar na área rural de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba. O objetivo do Movimento é manter a produção semanal de marmitas até dezembro, e por isso lançou uma campanha de financiamento da ação.
Cerca de 2 mil embalagens de mel com açafrão também foram produzidas pelo Setor de Saúde do MST do estado e distribuídas junto com as marmitas. O composto é um potente aliado para melhorar a imunidade. Pelo menos 600 máscaras de tecido foram produzidas e doadas por agricultoras Sem Terra.
Os alimentos frescos e orgânicos cultivados pela agricultora Irani Vieira, no acampamento Maria Rosa do Contestado, em Castro (PR), chegaram até a mesa de famílias urbanas que enfrentam o desemprego e a falta de renda durante a pandemia da Covid-19.
“Eu ajudei a semana inteira fazendo macarrão caseiro para doar. A gente também doou um saco de mandioca, um de batata e umas 20 cabeças de repolho”, lembra dona Irani sobre a partilha de 12 toneladas de alimentos feita pela comunidade em agosto, junto a outras áreas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) da região.
Dona Irani, no acampamento Maria Rosa do Contestado. Foto: Thea Tavares
O acampamento de dona Irani foi um dos primeiros do Paraná a organizar doações durante a pandemia, ainda no mês de março. “Fica todo mundo feliz por poder ajudar quem não tem. Quando a gente estava na cidade, não podia ajudar ninguém, porque via do salário e era só aquilo”, resgata da memória os tempos em que vivia na capital. As famílias do Maria Rosa têm certificação de produção 100% agroecológica e lutam para permanecer no campo.
De lavouras como as da comunidade Maria Rosa saíram cerca de 430 toneladas de alimentos doados a pessoas em situação de vulnerabilidade e entidades sociais, desde o início da pandemia da Covid-19. Até o final de agosto, as ações de solidariedade do MST no estado tiveram participação de 52 acampamentos e 120 assentamentos, além de pelo menos 20 comunidades e unidades de produção da Agricultura Familiar, cooperativas da Reforma Agrária e sindicatos de trabalhadores rurais.
Família Giovani, doações de alimentos em Congonhinhas, Paraná. Foto: Igor de Nadai
As iniciativas integram a campanha nacional do Movimento para a partilha de alimentos a quem mais precisa. Cerca de 3.300 toneladas já foram doadas em todo o país a partir de áreas da Reforma Agrária.
A diversidade e a fartura da produção da Reforma Agrária ficaram expressas nas milhares de sacolas e kits de produtos doados. Foram mais de 80 tipos de alimentos, entre grãos, tubérculos, frutas, legumes, verduras, mel, ovos, pães, bolachas, leite, bebida láctea, queijo, macarrão caseiro, além de álcool 70 e sabão caseiro.
Horta comunitária Antonio Tavares, em Clevelândia. Foto Arquivo MST-PR
Os alimentos chegaram a famílias em situação de vulnerabilidade de bairros periféricos, ocupações urbanas, hospitais públicos e Santas Casas, asilos de idosos, associações de moradores e de catadores, abrigos, pessoas em situação de rua e comunidades indígenas.
Ceres Hadich, integrante da direção nacional do MST e assentada no norte do Paraná, conta que as doações ganharam intensidade já no início da quarentena, quando assentados e acampados perceberam a gravidade da crise. Ela lembra que já havia altos índices de desemprego e aumento da fome antes da pandemia.
Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu, onde ocorreu a maior doação, 80 toneladas, em 25 de julho. Foto Wellington Lenon
“O aprofundamento da crise da pandemia agrava também uma crise social e estrutural pela qual a gente vem passando. A violência da fome, que é muito mais antiga e vem de antes da pandemia, vem se agravando. Também piora a falta de renda nos lares”, frisa Hadich.
No final de maio, o número de brasileiros desempregados chegava a 9,8 milhões.
Até a primeira semana de agosto, mais de 12,5 milhões de pessoas estavam desempregadas – um aumento de 28,6%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A informalidade também é a realidade para 27,9 milhões de brasileiros.
Em um contexto de falta de comida da mesa de milhares de famílias, a Reforma Agrária mostra os resultados do acesso à terra e indica ser uma saída para a fome no Brasil, como aponta Ceres Hadich. “A fartura das doações mostra a força da Reforma Agrária e nos renova a esperança de que é possível enfrentar essa pandemia juntos, fortalecidos, e com espírito de solidariedade junto à classe trabalhadora”.
Apesar do papel da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária na produção de alimentos no Brasil, o governo Bolsonaro vetou a maior parte dos pontos do Projeto de Lei 735, que socorre agricultores familiares durante a pandemia. Por outro lado, favorece o agronegócio com a chamada “Lei do Agro”, Medida Provisória (MP) 897, que cria facilidades para o acesso a crédito e financiamento de dívidas de grandes produtores rurais, entre outras benesses.
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