Conhecido pelo seu amor ao Flamengo (clube fundado em Foz pelo seu pai), Irineu fez parte das principais iniciativas do futebol na fronteira, durante as décadas de 50, 60 e 70, do século XX. A história da cidade onde nasceu em 1942, foi outra de suas paixões. Ele será sempre lembrado pelo esforço em guardar a memória de personagens de sua terra natal.
Como homenagem, reproduzimos do livro “Foz do Iguaçu, Retratos”, a entrevista que Irineu Basso concedeu ao jornalista Juvêncio Mazzarollo, em 1993. Nela, o pioneiro também discorre sobre o lendário Cine Star – de propriedade de sua família – que foi centro de lazer e informação dos iguaçuenses durante boa parte do século passado.
JUVÊNCIO MAZZAROLLO – Qual é a origem da família Basso?
Mas como seu pai, Pedro, ou Pietro Basso, chegou até Foz do Iguaçu e aqui se estabeleceu? Em 1929, meu pai resolveu fazer sua vida independente e arriscou-se pelo Paraná. Foi a Santa Helena trabalhar na Companhia Colonizadora Espéria. A namoradad dele, Assumpta Gallo, minha mãe, morava em Presidente Prudente, SP. Em 1933, meu pai achou que tinha condições e foi a São Paulo casar. Em Santa Helena tiveram o primeiro filho, Vitório. E em 1938 a família se mudou para Foz do Iguaçu com a intenção de aqui criar raízes. Aqui eu nasci, aqui estou e aqui vou ficar até o fim.
Seu pai veio fazer o que em Foz do Iguaçu? Veio se estabelecer com comércio. Começou com um armazém, depois teve hotel, cinema e outras atividades. Durante a Segunda Guerra Mundial, os estrangeiros eram proibidos de permanecer na fronteira. Meu pai, sendo italiano, tinha que ir embora de Foz do Iguaçu. Recebeu, porém, autorização do Exército para permanecer, porque as autoridades utilizavam muito seu hotel e restaurante. Enquanto parentes nossos e outros estrangeiros tiveram que se mudar para Guarapuava e outros lugares, nossa família pôde ficar em Foz do Iguaçu. Anos depois meu pai fechou o hotel e ficou só com a mercearia. Depois instalou o Cine Star, o segundo da cidade. O primeiro foi do Paulo Schwartz.
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O Cine Teatro Star em construção na avenida Brasil, em Foz do Iguaçu – Acervo pessoal
. Conta a história do Cine Star. Começou a funcionar quando e como? Foi inaugurado em 1952. Os filmes vinham de Curitiba, em ônibus. Quando chovia muito os filmes não vinham, então tínhamos que repetir exibições do mesmo filme dias e dias. O Cine Star tinha cerca de 70(*) lugares – uma enormidade para a época. Nas sessões estava sempre lotado. Os projetores eram franceses. Meu pai construiu o Cine Star em sociedade com Augusto Araújo, que veio para cá com a Companhia Dola Bela, que construiu o Hotel das Cataratas. Depois meu pai comprou a parte dele. Tínhamos gerador próprio para quando faltasse luz.
Qual era a programação de filmes no começo? Lembro do primeiro filme exibido – “A Rainha do Nilo”. Foi um acontecimento na cidade, uma loucura. Às quartas-feiras e sábados à tarde as sessões eram especiais para os militares do Exército. Dona Otília Schimmelpfeng, durante mais de vinte anos, não perdeu um só filme. Tinha cadeira cativa no Cine Star. Depois o Cine ficou com meu irmão Vitório, que o fechou no final da década de 70, quando já havia o Cine Iguaçu e a televisão foi tirando o público do cinema.
Enquanto o Cine Salvatti exibia filmes mais sofisticados, o Cine Star exibia filmes populares e enchia o salão, não? É verdade. Filmes de Mazzaropi, Teixeirinha, Tonico e Tinoco lotavam o cinema dias e dias. Nos fins de semana o Cine Star era como que o centro da cidade, o ponto de encontro das pessoas. Nas décadas de 50 e 60, depois do futebol, o cinema era o lazer principal da cidade.
Seu pai se dedicou muito ao esporte. Pedro Basso, inclusive, é o nome do principal estádio de futebol da cidade, o do Flamengo. E o senhor também tem toda uma vida dedicada ao esporte… Eu nasci e me criei dentro do esporte, junto com meu pai, que fundou o Flamengo Esporte Clube, em 1954. Tanto ele como eu presidimos muitas vezes o Flamengo. Eu presidi o Flamengo por mais de vinte anos.
O senhor foi também jogador? Fui. Jogava na defesa e sempre queria vencer de qualquer jeito. Meu jogo não era muito técnico. Era na base do vigor físico. Quando deixei de jogar, quando o Flamengo entrava em campo, eu, como dirigente, não conhecia mais ninguém, ficava louco, tanto que um médico tinha que ficar ao meu lado porque podia me dar um baque.
Que outra atuação teve no mundo dos esportes de Foz do Iguaçu? Participei da fundação da Liga Iguaçuense de Futebol. Foz antes pertencia à Liga de Medianeira. Durante esse processo descobri um dado curioso. Quem muito nos ajudou a fundar a Liga Iguaçuense foi Ferdinando Felice Pagot, de Medianeira. Nisso descobri que o pai dele havia vindo da Itália junto com meu pai, no mesmo navio, e os dois tinham morado em São José do Rio Preto. Os dois vieram morar no Oeste do Paraná sem que um soubesse nada do outro. Foi uma surpresa para mim e para o Pagot esse novo cruzamento. Meu pai teria adorado um reencontro com o Pagot, mas já havia morrido. Meu pai morreu de doenaç de chagas em 1961, e minha mãe morreu em 1992.
Voltando ao esporte, o Flamengo construiu respeitável patrimônio – estádio de futebol, kartódromo e outros equipamentos. Como conseguiu tudo isso? Conseguimos a partir do início da década de 70, quando Tércio Albuquerque assumiu interinamente a Prefeitura e doou a área. Nós, com o apoio dos desportistas, construímos o estádio. O presidente do Flamengo era Vitório Basso, que, por sinal, nunca foi torcedor do Flamengo, em homenagem a meu pai. Vitório era torcedor do ABC, arqui-rival do Flamengo.
Como nasceu o Flamengo de Foz do Iguaçu? O grande desportista de todos conhecido por Kid Chocolate tem muito a ver com a história do clube, não? Realmente, ele merece destaque. Kid Chocolate veio a Foz do Iguaçu trabalhar na Marinha, em 1952. Era boxeador. O Flamengo surgiu do “84 Boxing Club”, uma academia de box, onde Kid atuava. Aí surgiu a ideia do clube de futebol Flamengo, onde Kid Chocolate passou a batalhar desde então. O esporte de Foz deve muito a ele. E outros nomes que sempre devem ser lembrados pelo Flamengo são Antônio Machado, o dentista Renato Gonçalves, Ernesto Grignet, Edgar Fiala…
Quais as maiores glórias, os maiores feitos do Flamengo? Nosso maior feito foi sobreviver na época em que não tínhamos estádio e os clubes adversários nã oemprestavam seus campos para treinos. Nosso maior rival era o ABC. Mesmo assim vencemos vários campeonatos municipais. Participamos de algumas edições da Taça Paraná, campeonato amador do Estado, mas nunca fomos campeões porque esse torneio envolvia vários fatores extracampo. Eu mesmo, por exemplo, cansei de receber telefonemas de juízes de futebol pedindo quanto pagaria para ganhar o jogo. A ganhar desse jeito, sempre preferi perder.
Além do futebol, que outros esportes tinham expressão na cidade? O basquete, por exemplo. Havia jogos de basquete em que o marcador chegava a cem pontos. Agora, jogos de basquete não vão além dos 20, 30 pontos. Naquele tempo era diferente, tudo era feito com mais entusiasmo e amor à camisa. A Marinha, o Banco do Brasil, traziam funcionários do Rio de Janeiro só para formar boas equipes. Hoje os atletas parecem pensar só no que vão ganhar ou na fama que podem conseguir, mas não se empenham para conseguir o sucesso pela competência.
Nâo tem alguma história de quebra-quebra, de pauleiras acontecidas em jogo de futebol? A pauleira mais séria que enfrentamos aconteceu na localidade de Agrocafeeira, pouco adiante de Matelândia, há uns doze anos. Foi pel oque aconteceu lá, aliás, que me despedi do futebol. Era um jogo pelo campeonato da Liga de Medianeira. O nosso Flamengo estava ganhando o jogo por seis a zero. Aí chegou um caminhão cheio de torcedores do time de lá, todos armados com facas, facões e espetos de churrasco, e começou o quebra-quebra. Meu Deus! Saí de lá com dezenas de cortes por todo o corpo, principalmente na cabeça. Eu tinha três relógios no pulso, um meu e os outros de jogadores. Perdi os três. Foi uma verdadeira guerra. Vi a morte na frente. Era espeto, faca e facão estrilando por todos os lados. Cheguei em casa, esfriei a cabeça, chamei meu filho e disse: olha, para mim chega de futebol. Há muito tempo não passo um domingo em casa por causa de futebol. Então, agora, depois dessa, futebol nunca mais. E de fatos nunca mais participei.
(Do livro Foz do Iguaçu, Retratos, 1997. Texto copilado da edição de 27/06/1993, do jornal Gazeta do Iguaçu).
(*) Nota do Editor: Por falha de edição, o número de cadeiras do Cine Star mencionado no texto original da entrevista transcrita está incorreto. A área interna do cinema era bem grande. Contava inclusive com um mezanino, onde se concentrassem, provavelmente, as 70 cadeiras mencionadas.
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