Trabalhar com a agroecologia é estabelecer relações de respeito e integração entre os seres humanos e os recursos naturais – Foto: Alexandre Garcia
Comer não é apenas uma necessidade fisiológica ou uma escolha política. É também um momento de encantamento, de encontro com sagrado, com a nossa cultura e com nossos ancestrais.
Preparar um alimento é um ato que traz consigo técnicas tradicionais de plantio, de colheita e de manipulação dos ingredientes, em processos que são passados de geração em geração, em comunidades rurais e urbanas.
Pensando em preservar e valorizar toda essa riqueza cultural que compõe quem somos, o Grupo de Trabalho de Juventudes da Articulação Nacional de Agroecologia organizou o livro “Agricultura do Encantamento – Receitas e histórias da comida como identidade”.
A obra será lançada oficialmente em 16 de setembro, em um evento online transmitido pelo Facebook da organização.
“Se você quer homogeneizar a cultura de um povo, você vai mexer na comida, na religião e trazer uma certa uniformidade para padrões de vida, tudo ao contrário do que os povos tradicionais têm”, diz uma das organizadoras da publicação, a cientista social Natália Almeida. “O livro chega para que a gente possa reconhecer cada vez mais a diversidade. De norte a sul do Brasil as pessoas vão comer farinha branca, gorduras e açúcares sem saberem os nomes das árvores e das frutas? Estamos falando da indústria de alimentos, que é vem silenciando a diversidade cultural a partir da mesa”.
Para fazer o contraponto e valorizar as tradições alimentares de comunidades rurais e urbanas, jovens ligados a Articulação Nacional de Agroecologia tomaram a frente do livro e, como protagonista, reuniram histórias que vão desde forma de coletar sementes crioulas, até pratos típicos da culinária indígena e quilombola.
Um dos pontos de maior atenção dos autores foi prestigiar e valorizar receitas de família, que trazem a história dos mais velhos e valores e costumes da família. É o caso da pesquisadora e cozinheira Patrícia Brito, que também participou da organização da obra.
“A minha história pessoal tem a ver com minha avó e avô, que vieram da roça, do interior de Minas Gerais e foram ocupar uma das maiores favelas de Belo Horizonte. Eles não deixaram de ser agricultores e tiveram papel fundamental na continuidade dos modos e preparo dos alimentos e na criação de porcos e galinhas. Com base no que eu tenho sobre a minha memória entre os alimentos que me marcam está a mandioca, o saber fazer da farinha e da puba”, pontua Patrícia.
A mandioca, inclusive, é um elemento tão importante na cultura alimentar brasileira que o livro está baseado em uma tríada de alimentos: o milho, a banana e a mandioca, encontrados de norte a sul do Brasil e utilizados das formas mais diversas, por quase todas as comunidades.
Tanto que uma das receitas mais tradicionais da Patrícia, passada e aprimorada de geração em geração, é farofa de mandioca com banana.
“Eu torro a farinha, frito a banana-verde com casca, torro amendoim e reservo tudo. Aí frito uma banana madura e, se tiver, um coco. Aí misturamos os ingredientes com pimenta, cheiro verde e coentro para quem gosta. É uma receita deliciosa, que eu amo servir em cones de papel”, ensina.
São receitas como essa que ajudaram sustentar por séculos a população brasileira, como lembra Nathália.
“Falar sobre comida é falar defesa dos territórios é falar da cultura, da manutenção, de uma identidade cultural, de duma história e sobretudo de uma relação muito esteira com a natureza. A gente não está falando só de um sistema de alimentação, mas de um sistema de plantio, de partilha, um sistema solidário de troca, de festas que celebram a colheita, o plantio, que dividem, que ajudam.”
É a juventude engajada em preservar e valorizar a cultura e a história do Brasil, que tem na diversidade seu maior trunfo.
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