Vídeos criados por participantes de evento do Laboratório de Pesquisa Social da USP estão disponíveis na internet
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Filmes produzidos pelos participantes da oficina tratam de temas sociais e ambientais, explorações autobiográficas e experimentos com a linguagem audiovisual – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Freepik e NUPEPA/ImaRgens
. Uma história de luta por moradia ocorrida há mais de 30 anos em Curitiba. As reflexões de um skatista e cineasta sobre as condições de seu trabalho no Brasil. A defesa da permanência estudantil dentro da maior Universidade do Brasil. As angústias sentimentais de um término amoroso durante a pandemia. A autobiografia poética de uma cientista social se aventurando na bicicleta. As lembranças da produção familiar de pamonha em Goiás, contadas enquanto o milho é ralado para se tornar quitute.
Registro de encontro do Núcleo de Produção e Pesquisa em Audiovisual (Nupepa/ImaRgens) – Foto: NUPEPA/ImaRgens
Essa diversidade de assuntos e abordagens ilustra os temas das produções audiovisuais resultantes da 10ª Oficina do Núcleo de Produção e Pesquisa em Audiovisual (Nupepa/ImaRgens) do Laboratório de Pesquisa Social (Laps) do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Realizada em parceria com o Núcleo de Antropologia Visual (Navisual) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a associação audiovisual Ao Norte, com apoio da Universidade Nova de Lisboa, a oficina teve início em maio de 2023. Foram 16 encontros on-line, reunindo estudantes de diversos Estados do Brasil e também nascidos ou residentes em Portugal, Cabo Verde, Chile, Equador, Espanha e Uruguai. Ao todo foram finalizados 18 curtas-metragens, que mobilizaram 55 participantes das atividades, com perfis acadêmicos indo do ensino fundamental ao pós-doutorado. .
Os vídeos resultantes da 10ª Oficina do Núcleo de Produção e Pesquisa em Audiovisual podem ser vistos no site do Nupepa/ImaRgens e também no canal no YouTube do núcleo.
. Voltada para estudantes e pesquisadores interessados em incluir a produção audiovisual em seus trabalhos, a oficina apresentou aos participantes tópicos como introdução à linguagem cinematográfica, roteiro, direção, produção, fotografia, som, edição e distribuição do material. Conteúdos que podem ser usados tanto para filmes feitos a partir de câmeras de telefones celulares até dispositivos mais sofisticados, como câmeras DSLRs.
“As produções são das mais variadas”, comenta Allan Ferreira, fundador do Nupepa, idealizador da oficina e doutorando da Universidade Nova de Lisboa. “Dos 18 filmes produzidos nesta edição, a maioria foi do gênero documentário, mas sempre são produzidos ensaios e ficções com grande diversidade temática e de linguagem.”
Ferreira conta que as orientações dadas aos grupos para a produção dos filmes foram simples. Os participantes deveriam formar grupos de três a cinco integrantes e realizar trabalhos com até dez minutos de duração. O tema, a estrutura e a linguagem dos curtas-metragens foram decididos integralmente pelos grupos e a equipe responsável pela oficina atuou oferecendo suporte organizacional.
“Os participantes ficaram inteiramente livres para escolher todos os aspectos relacionados ao filme final, não havendo interferência da organização da oficina, ou evitando isso ao máximo. O objetivo foi fazer os materiais produzidos serem uma expressão espontânea dos grupos”, explica Ferreira. “Todo o trabalho, que incluiu criação de roteiro, produção, direção, fotografia e cinematografia, sonorização, edição, produção executiva, foi feito exclusivamente pelos grupos e as pessoas convidadas por eles para integrar o elenco ou outras tarefas.”
. Diversidade é a melhor palavra para englobar as 18 produções resultantes das oficinas, vídeos que vão de 5 até 14 minutos de duração. A liberdade criativa e o trabalho em equipe se traduziram em curtas-metragens documentais, autobiográficos, poéticos, jornalísticos e experimentais. Neles, é possível ver um Brasil plural – com incursões em Portugal – e uma série de preocupações sociais, ambientais e existenciais.
Ferrovila: O Grito por Um Lar é o trabalho mais bem acabado da safra. O curta escrito e dirigido por Giovanni Bartholdy retrata a luta por moradia em Curitiba, com destaque para a ocupação do título, iniciada em 1991. Feita às margens de uma linha férrea desativada, a Ferrovila e suas centenas de famílias em busca de moradia desafiaram o slogan Cidade Ecológica, com o qual a capital paranaense vinha se promovendo, e se transformaram em um marco da pauta habitacional de Curitiba. Para contar essa história, o documentário lança mão de imagens de arquivo e entrevistas com líderes de movimentos de moradia, como Jairo Graminho, presidente da União Geral dos Bairros, e Riquina Bartholdy, líder da Central da Ferrovila.
. Outra produção que discute moradia e políticas públicas é Descupinização, dirigida por Aline Fatima, Eduarda Martin e Rodrigo Rocha. O assunto aqui é o Conjunto Residencial da USP (Crusp), complexo de apartamentos nos quais vivem cerca de 1.400 estudantes. Um anúncio de descupinização é o ponto de partida para reflexões sobre o caráter de resistência da moradia estudantil, espaço fundamental na organização e na luta durante a ditadura militar e parte essencial das políticas de permanência e apoio às pessoas de baixa renda que ingressam na Universidade. “O Crusp é um trincheira de raça e classe, resiste e se defende como um cupinzeiro, desde 1964”, comunica o vídeo.
Alguns projetos de cunho jornalístico/documental concentram suas forças no relato de seus protagonistas. É o caso de Por Trás da Câmera em Cima do Skate, estruturado em torno dos depoimentos de Fernando Martines Moralez Mutton, skatista, profissional do audiovisual e também um dos diretores do curta, ao lado de Ana Priscila Cayres de Oliveira. No filme, Mutton apresenta e revê sua relação com o skate e o audiovisual, enquanto realiza manobras pelas ruas e praças de Florianópolis, em Santa Catarina. Curta Pamonha, dirigido por Janayna Medeiros, segue a mesma linha, acompanhando Lourdes Santana na produção artesanal de pamonha em Goiás. Enquanto o milho é ralado, o queijo é adicionado à massa e a pamonha vai ao fogo, Lourdes recorda sua infância e a produção familiar do alimento.
Outros trabalhos partem para a experimentação com a linguagem audiovisual, convidando o espectador a completar os sentidos do que vê. Em Odisseias do Cotidiano, dirigido por Carolina Reichert do Nascimento, Cibele Barbalho Assenio e Fernanda Aiub, uma câmera em primeira pessoa acompanha o percurso diário de um provável estudante, saindo de sua casa até as portas da universidade, passando por calçadas, faixas de pedestre, carros, estações do metrô e vendedores ambulantes, revelando o cotidiano público de São Paulo. Perspectiva parecida é a de Zuada, dirigido por Djaneide Maria da Conceição Lacerda e Evelen Castro, que capta os sons vertiginosos e caóticos, conhecidos como zuada, com que um trabalhador se depara em seu dia a dia nas capitais do Norte e Nordeste do País.
Abordagens mais poéticas e reflexivas também aparecem entre os vídeos produzidos na oficina. Deus lhe Pague, dirigido por André Nascimento, Daniel Souza Silva, Eduardo Neves e Marcelo Alves Lima, costura imagens captadas no Cemitério da Consolação, em São Paulo, com comentários sobre a suntuosidade de seus jazigos e a desigualdade social. A ideia para o curta veio a partir da morte de um trabalhador da construção civil de 35 anos, que caiu do sétimo andar de um prédio em obras, localizado ao lado do cemitério.
Mulheres que Pedalam em Belém aposta igualmente na subjetividade. Dirigido e roteirizado por Mayara Feitosa Teodoro e Patricia Jeanny de Araújo Cavalcanti Medeiros, o filme traz a voz de uma narradora que reflete sobre as mulheres de sua família e sua feminilidade, enquanto acompanha o trabalho de grupos que ensinam a andar de bicicleta em Belém. A mesma centralidade do autoexame entremeado pelo resgate da memória aparece em Viagem Fora do Lugar, do Colectivo Eixo.
Uma leva de filmes, por fim, investe em experimentações mais radicais com a linguagem, desafiando o público a criar conexões entre as imagens e construir – ou abstrair – as narrativas. A produção luso-espanhola Ver[de] Fora da Natureza é um exemplo desse trabalhos. Com direção de Ana Sophia Fontoura, Daniela de Jesus Silva, Katia Ozório, Luciano Popadiuk e Samanta Souza Fernandes, o curta é composto de cinco segmentos que exploram a presença da cor verde para além de sua presença na natureza, registrando sua ocorrência em portas, janelas, roupas e objetos do cotidiano. Fragmentos, dirigido por Letícia Pereira Araujo, Rafael Cabral Sousa e Hugho Carvalho, usa da mesma forma a montagem cinematográfica para reunir imagens de modo provocativo.
“Os filmes são verdadeiras janelas para a sociedade e expressam visões de mundo que ajudam a retratar cada momento”, reflete Ferreira. “Contando com esta 10a edição da oficina, temos, desde 2016, 560 participantes que concluíram a formação e 136 filmes, que totalizam aproximadamente mil minutos de produção.”
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