No acampamento de Jalil, no Líbano, com apoio de organizações palestinas, os refugiados são examinados para descartar sintomas do novo coronavírus (Photo by – / AFP)
O deslocamento global atingiu impressionantes 79,5 milhões de pessoas no ano passado – quase o dobro do número registrado há uma década – devido a guerra, violência, perseguição e outras emergências, informou no dia 18 a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Dessas, 25,9 milhões de pessoas são refugiadas, espalhadas pelo mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Desse contingente, muitos vivem em campos de refugiados sob cuidados de organismos internacionais ou organizações não governamentais. No entanto, na maior parte dos casos, essas pessoas vivem em condições precárias, de super lotação e com pouco acesso a serviços básicos.
De acordo com um levantamento da Oxfam, cada torneira é usada, em média, por 250 pessoas nos campos de refugiados ao redor do mundo. Sem acesso à água, é quase impossível garantir a higiene necessária para prevenir o contágio com o novo coronavírus. Apesar da situação preocupante, não existem cifras oficiais sobre contaminados com a covid-19 nesses acampamentos.
Muitos refugiados fogem de conflitos armados que têm no seu centro a questão da terra, a exploração de riquezas naturais e são despojados de sua pátria, de sua condição de cidadãos. Sem um Estado que se faça responsável por adotar políticas públicas, essa população se torna ainda mais vulnerável.
A Agência de Refugiados da ONU (Acnur), principal organismo que atende essa população, lançou uma campanha para arrecadar doações aos refugiados e ajudar no combate à pandemia. Os valores começam em R$35 e seriam destinadas a fornecer equipamentos de segurança, como máscaras e luvas, até atendimento médico de terceiro nível.
Os sírios representam o maior contingente de pessoas em situação de refúgio na última década. Segundo a Acnur, 6,7 milhões de pessoas foram forçadas a deixar os seus lares. Entre aqueles que ficaram no país, cerca de 13 milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária para viver, 40% são crianças e adolescentes.
A Síria, rica em petróleo e minérios, foi invadida em 2011 por tropas do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e por grupos armados terroristas, com destaque para o Daesh, autodenominado Estado Islâmico – uma organização que saiu da Al Qaeda, fundada com apoio da Casa Branca na década de 80 para combater o avanço da influência da União Soviética pelos países do Oriente Médio.
A justificativa para iniciar o conflito armado era a derrubada do governo de Bashar Al Asad, o resultado foi a morte de 400 mil pessoas e a mudança forçada de 11 milhões de sírios.
Nove anos depois do início da guerra o país ainda vive confrontos armados principalmente na região norte, província de Idleb, bastião da Frente Al Nusra e do Daesh e território em disputa com o governo turco. Em 2018, aproximadamente mil crianças foram vítimas de bombardeios, segundo relatório da Unicef.
Entre os mais de 11 mil refugiados em território brasileiro, 1.018 são sírios, de acordo com dados de 2019 do Conselho Nacional de Refugiados (Conare) e da Acnur. Durante o início do conflito, o Estado brasileiro facilitava os documentos para a entrada dos sírios no país, mas a atenção aos refugiados ainda é feita majoritariamente por organizações do terceiro setor.
É o que assegura Marcelo Aydu, do Instituto Adus de Reintegração do Refugiado, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que atende cerca de 400 refugiados mês a mês, na cidade de São Paulo. “O grosso do trabalho focado em integração local, com aulas de português, capacitação para o mercado de trabalho, ações de empreendedorismo, ações culturais e de lazer, grande parte vem sendo realizado por ONGs e quase sempre sem apoio do Estado”, garante.
Segundo o direito internacional, a legislação brasileira e convenções adotadas pelas Nações Unidas, a pessoa que solicita refúgio têm o direito de permanecer no país de acolhida até o momento que quiser. Se houver necessidade, poderá haver cooperação entre Estados para que a pessoa migre novamente, mas o regresso ao país de origem, seja pelo fim das ameaças e conflitos ou por outros motivos, é de livre arbítrio do refugiado.
“Eles têm a liberdade de voltar pro país de origem no momento em que quiserem, a questão é que os governos não são obrigados a arcar com os custos da volta deles. Essa é a questão. Via de regra quem tem que arcar com esses custos são os próprios refugiados”, comenta Aydu.
A Cruz Vermelha fornece serviços de água e saneamento às autoridades da região – Síria, Iêmen, Iraque, Jordânia, Gaza, Cisjordânia e Líbano. / CICV
Uma mãe cuida de seu bebê dentro de um ginásio que foi transformado em assentamento de refugiados em Boa Vista (RR). Foto: ACNUR/Vincent Tremeau
. Pela primeira vez, os 3,5 milhões de deslocados da Venezuela aparecem no relatório do ACNUR, respondendo em parte pelo aumento significativo em comparação com os dados de 2018-2019.
A maioria dos venezuelanos nessas condições cruzaram a fronteira com o Brasil e estão tentando refazer suas vidas em solo brasileiro.
Existem mais palestinos em situação de refúgio, sob atenção da ONU, que habitando sua terra natal. / UNRWA
O povo palestino é a nacionalidade há mais tempo em situação de refúgio e também a mais numerosa. Desde 1927, com a primeira invasão à Cisjordânia e à Faixa de Gaza por forças militares israelenses, milhões de palestinos são obrigados a deixar suas casas. São 8 milhões de palestinos refugiados, enquanto cerca de 4 milhões ainda resistem para defender o que lhes sobrou de território.
As pessoas que fugiram do conflito na segunda e terceira onda imigratória (1948 e 1967) sequer podem voltar às suas casas, porque a terra foi invadida e as moradias demolidas para dar lugar a assentamentos ilegais de Israel. Em 1950, a ONU criou a Agência de Assistência aos Refugiados da Palestina (Unrwa – pela sigla em inglês), que administra 58 acampamentos.
No entanto, nem todos palestinos despatriados vivem nesses acampamentos. Cerca de metade dos refugiados, 4 milhões, vivem na Jordânia, 2,5 milhões nos territórios palestinos ocupados (Cisjordânia e Gaza) e cerca de 1,5 milhão vive na Síria e no Líbano.
A situação em cada país é bastante diferente, como confirma Muad Moussa, membro do comitê central da Frente Democrática pela Liberação da Palestina (FDLP).
No Líbano um refugiado palestino é proibido de exercer 70 profissões, entre elas: médico, engenheiro, farmacêutico, advogado. O palestino só pode exercer essas funções dentro do acampamento de refugiados.
Segundo um informe publicado pelo comitê de saúde e juventude da organização política palestina Al-Fatah, a situação vulnerável dos refugiados palestinos no Líbano foi exacerbada pelas restrições de movimento, fechamento de instalações vitais e toque de recolher imposto pelas autoridades libanesas para impedir uma propagação adicional da covid-19.
“Avisamos que, caso o vírus atinja os campos de refugiados palestinos, é provável que a situação atinja um ponto sem retorno, já que a grande maioria das famílias de palestinos estão em situação de pobreza”, denunciam no documento.
Já na Síria, Moussa comenta que os palestinos são bem recebidos pelo governo e pelo povo. Podem trabalhar, estudar, o sistema de saúde os atende e não há distinção entre palestinos e sírios, podem gozar de todos os seus direitos humanitários e políticos.
Na Jordânia, os palestinos foram obrigados a se nacionalizar como jordanos, por conta de um conflito nos atos 1970 entre organizações palestinas e o governo jordano. “Isso obrigou os palestinos a forjar uma política educativa social e econômica, que de uma forma ou outra tende a apagar a memória histórica dos refugiados palestinos e cortar seus vínculos com sua pátria”, assegura Muad Moussa.
Tanto na Cisjordânia, como na Faixa de Gaza, os palestinos vivem em solo considerado pátrio, mas não nas suas aldeias nativas, porque foram impedidos de voltar aos seus lares. Nessas localidades, eles são atendidos pela autoridade palestina, comandada pelo presidente Mahmoud Abbas, da Organização para a Liberação da Palestina (OLP).
Há 14 anos, a Faixa de Gaza sofre um bloqueio naval e terrestre por parte das forças de Israel, dificultando o abastecimento de combustível, medicamentos e comida. Por conta do conflito, ambulatórios e hospitais foram bombardeados pelo exército israelense.
Em 2012, a ONU emitiu um relatório no qual afirmava que a região seria inabitável em 2020. O acampamento de Al Shati, reunia em 2013, cerca de 82 mil palestinos num espaço de 727 m².
Segundo o Ministério de Saúde palestino, a região conta com pouco mais de dez respiradores e 65 leitos de tratamento intensivo. Para Ghada Majadle, da organização Médicos pelos Diretos Humanos, do ponto de vista do direito internacional, Israel seria responsável por fornecer insumos médicos aos palestinos.
Decretada a quarentena total desde o final de março, a Faixa de Gaza registrou até dia 8 de abril, dois infectados com o novo coronavírus. “Essa pandemia da covid-19 agrava ainda mais os problemas já existentes na Faixa de Gaza. Com o pouco que temos, estamos tratando de estabelecer algum controle de forma a cumprir a quarentena, mas isso também gerou uma grave crise para as famílias palestinas que não têm como viver sem trabalhar diariamente. Mais de 70% da população da Faixa de Gaza vive abaixo da situação de pobreza”, afirma Muad Moussa, da FDLP.
Além do bloqueio, desde 2018, os Estados Unidos suspenderam o apoio financeiro à sessão da Acnur que atendem os palestinos. Em 2017 o montante era de 350 milhões de dólares.
“O povo palestino já não aguenta mais e o seu destino não é seguir reclamando ou denunciando as barbaridades do sionismo e do exército de Israel, mas merecem uma vida digna e isso passa por reconstruir nossa casa, nossa unidade nacional, nosso lar, para poder falar ao mundo com uma só voz que é o clamor pela nossa independência, liberdade, pelo retorno de todos os refugiados e com Jerusalém como capital eterna”, finaliza Muad Moussa.
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