São as curvas, da estrada, da vida, do tempo, que nos surpreendem, dão sabor, matam o tédio do cartesianamente previsível. Lembro-me de Fílides, uma das cidades invisíveis de Italo Calvino, onde “anda-se por linhas de ziguezague de uma rua a outra, distingue-se entre zonas de sol e zonas de sombra.” Lá se confronta Euclides e crava a sentença de que a menor distância entre dois pontos nunca é uma reta, mas curvas. Talvez o todo o segredo da vida esteja em descobrir as constâncias entre tantas inconstâncias.
O matemático alemão Carl Friedrich Gaus, no século XVIII, desenvolveu a curva mais complexa, inteligente e atemporal que já existiu. A curva de Gaus. Não é um padrão matemático ou estatístico apenas, é um profundo tratado filosófico. Como se numa única imagem a ciência, a filosofia, a história, a poesia, enfim tudo que se conhece estivesse ali, resumido.
Basta olhar seu contorno, no formato de um sino e de cara pensamos que tudo ali começa ao res da linha de base (ou do chão, caso prefira). Nada começa pelo alto. O princípio é pequeno e ascende a depender do que se decide. E seu crescimento não é um pico, algo agudo, mas suave e lento; uma espécie de busca contínua pelo auge, que deve chegar. E o auge dura pouco. É quase que um intervalo entre ascenso e descenso. Uma breve sensação que começará a declinar. Quase uma lei, que vale para o prazer e vale para dor.
Concordo cada dia mais com a premissa de que a reta é uma curva que não sonha.
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