A pedagoga Eva Terezinha Vera foi decisiva na defesa do direito dos surdos de Foz do Iguaçu à escola pública – Foto: Denise Paro
Por Denise Paro, especial para Guatá A história da Apasfi – Associação de Pais e Amigos dos Surdos de Foz do Iguaçu se conecta sobremaneira com a vida da professora Eva Terezinha Vera, 83 anos. Ex-diretora do Colégio Estadual Bartolomeu Mitre, onde também estudou desde o jardim da infância, Terezinha abriu caminhos para a rede pública escolar de Foz do Iguaçu acolher os primeiros surdos em sala de aula.
Tudo começou em 1979. Na época, Foz do Iguaçu não tinha escolas ou professores capacitados para dar aulas aos surdos. E foi ela, já na condição de diretora do Mitre, que permitiu a matrícula de uma aluna muda (denominação da época). “Eu matriculei e não contei para ninguém porque eu queria ver o comportamento da menina se ela realmente ia frequentar a escola ou não”.
As aulas começaram, não existia inclusão social e a aluna, Lucimar, foi colocada em uma turma de primeira série. Com o tempo, a professora responsável pela classe percebeu a condição da aluna e informou à direção que se sentia despreparada para dar aulas para surdos.
Naqueles tempos, lembra Terezinha, havia desinformações em relação aos surdos. O que levava à preconceitos sobre o comportamento de crianças com esta dificuldade. “Havia muitos casos de crianças surdas porque a incidência de sarampo, que pode levar a surdez, era alta.”
A chegada de Lucimar ao Mitre incentivou outros pais a matricularem os filhos naquela escola. Em seguida o colégio recebeu outros três alunos surdos. Assim surgiu a necessidade de se abrir uma turma própria para eles.
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Mas as barreiras apareceram. A maioria dos professores que atuavam na escola não quis assumir a turma, devido a falta de experiência com algo tão novo e um receio de fracassar. Inicialmente, as crianças foram acompanhadas pelas professoras Vinina e Neli Marques. Apesar das dificuldades, ali o caminho começou a se abrir para as crianças surdas de Foz do Iguaçu.
Posteriormente, uma professora chamada Nerci, no início da década de 1980, resolveu ir a São Paulo fazer um curso para deficientes auditivos. Ela então decidiu viajar, pela primeira vez de avião, e passou meses fazendo o curso. A partir daí, ela começou a formar outros professores. “Ela foi uma batalhadora”, diz Terezinha.
Na ocasião, não se adotava Libras, como o é atualmente. Havia uma linguagem, baseada na leitura labial. “Ainda assim, foi uma semente lançada que deu bons frutos, graças àquelas professoras que foram as primeiras.” Começava aí uma luta de longos anos por mais capacitação, espaço e inclusão.
A partir do aumento da procura e a necessidade de se capacitar mais professores para lidar com os surdos, pensou-se em criar uma associação. Um organismo que contribuísse na ampliação do atendimento às crianças.
Com a disponibilidade de mais professores especializados, Terezinha conseguiu uma casa no centro da cidade para ser sede da futura entidade. Em 8 de dezembro de 1982, foi fundada a Apasfi – Associação de Pais e Amigos dos Surdos de Foz do Iguaçu. O psicólogo Carlos Roberto Campana encabeçou a primeira diretoria da entidade.
O trabalho prosperava. “Me chamavam volta e meia: venha ver seus filhos!”, lembra Terezinha. Com o tempo a sede foi ampliada e a educadora Terezinha acabou assumindo a presidência da Apasfi entre 1989 a 2006.
No início houve muita ajuda da comunidade e da Prefeitura para manter e consolidar a entidade. Também foram muitas festas beneficentes e iniciativas cotidianas para arrecadar dinheiro. Terezinha olha para trás com orgulho, ao rever a história da Apasfi. “É uma história bonita que frutificou”.
Pela Apasfi passaram alunos como é o caso de Orceni, que chegaram a fazer graduação. Outros foram para o exterior com mais autonomia, e tem aqueles que casaram entre si. Porém, o trabalho não parou desde então. “A família tem que ser assistida porque os filhos dos surdos não são surdos. Foi sempre um trabalho contínuo”, recorda Terezinha.
Ela lembra que desde o início dessa trajetória de luta pela causa dos surdos, a participação de outras pessoas foi fundamental. Cita como exemplos as professoras Márcia Carrenho e Angelina Bevenutti, além de Lucas Silveira, um dos presidentes da Apasfi. “Como eles, vários passaram e deixaram marcas boas”. diz.
A sede da Apasfi foi ampliada em uma situação inusitada. Um surto de conjuntivite acometeu crianças e, para não espalhar ainda mais a doença, surgiu a ideia de levar a turma para uma das salas de um prédio público do estado que ficava ao lado e estava vazio.
A iniciativa foi da própria professora Terezinha, que apesar de não estar mais à frente a Apasfi na ocasião, sempre dava apoio à instituição. Ela conta que deu a ideia às professoras e assim as crianças foram transferidas. Dias depois um advogado representando o Estado do Paraná a procurou e ela disse: “Não é comigo que o senhor vai falar. Eu vou reunir os 200 pais e você vai conversar com os pais dessas crianças”. O governo recuou temporariamente do propósito de reintegrar a posse do prédio.
A professora Terezinha procurou o então deputado estadual Sérgio Spada. Pediu auxílio, ele intercedeu e conseguiu um contrato de comodato junto ao Poder Executivo estadual. E a Apasfi ocupa o prédio até hoje.
O Colégio Bartolomeu Mitre é considerado o berço da educação de Foz do Iguaçu. Aquela escola foi pioneira em oferecer ginásio e, depois, o magistério, conhecido por Curso Normal. Foi lá que Terezinha Vera fez os seus primeiros anos de estudo e, mais tarde, trabalhou até se aposentar.
Eva Terezinha Vera é a caçula de uma família iguaçuense que se constituiu no início do século passado na fronteira. Seus pais, o operário argentino Diego Ignácio Vera e a costureira paraguaia Vicenta Ávalos Ferreira, casaram em 1916 e tiveram oito filhos brasileiros. Terezinha teve entre as primeiras professoras, na fase de alfabetização, as próprias irmãs, Ilka e Joanna. Elas levavam a também futura professora à escola desde os 4 anos de idade. Daquela época, Terezinha guarda lembranças, com carinho, de outra professora, a do jardim de infância, Lucila Ramos.
Após estudar no Mitre até o grau correspondente ao ensino médio atual, Terezinha foi para Curitiba cursar Pedagogia. Formada, voltou à cidade para trabalhar no mesmo Colégio. Além de ter ministrado aulas no curso do Magistério, ela se tornou diretora geral da escola. Ela também coordenou durante muitos anos a então Inspetoria Regional de Ensino, organismo que depois deu lugar ao Núcleo Regional de Educação.
Finalmente aposentada do serviço público, numa iniciativa tomada em conjunto com sua irmã Ilka, criou o Centro de Atividades Infantis Colibri. Uma pequena escola de ensino fundamental com proposta pedagógica diferenciada, onde Terezinha foi responsável pela direção durante mais de uma década.
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