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. O Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, por meio do Laboratório Conexões do Clima, realizou em março de 2022 a pesquisa “Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Econômico: percepções da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”. O levantamento, foi lançado no dia 24 de maio e faz um diagnóstico sobre como as classes B e C percebem os efeitos do aquecimento global em seu dia a dia. Um dos temas que mais geram preocupação é o de chuvas intensas, inundações, deslizamentos e segurança hídrica. Queimadas na Amazônia e no Pantanal também foram lembradas, mas como problemas mais distantes.
A pesquisa foi desenvolvida pelo laboratório Conexões do Clima, do Fórum de Ciência e Cultura. O seu público-alvo foram pessoas das classes B e C, moradoras da região metropolitana do Rio de Janeiro, que não se autodeclaram petistas ou bolsonaristas e que não integram movimentos sociais ou partidos. O objetivo é que a pesquisa seja usada para auxiliar no desenvolvimento de iniciativas em prol da emergência climática.As cenas dos recentes desabamentos de encostas em Petrópolis, na Região Serrana, ou a vivência de dramas pessoais, com o enfrentamento de alagamentos de ruas e casas em períodos de chuvas, tanto na baixada fluminense como em diferentes regiões do estado, ajudam a acentuar a ideia de que existe um risco cada vez maior para todos.
Os professores Tatiana Roque (à esq.), Fábio Scarano (centro) e Ana Toni (à dir.) durante a apresentação da pesquisa “Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Econômico: Percepções da População da Região Metropolitana do Rio”. – Foto: Bira Soares/Fórum de Ciência e Cultura
.“Há uma visão de que algo grave está acontecendo, com mais desastres, chuvas mais fortes e mais frequentes, e estações do ano mais indefinidas. Apesar de não haver dentro desse grupo pesquisado uma formulação mais precisa sobre o tema, há uma percepção instintiva de que vivemos uma crise ambiental grave e que as consequências podem ser devastadoras” – explica a coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura, Tatiana Roque.A pesquisa, realizada de forma qualitativa, reuniu oito grupos focais, cada um com 8 a 10 pessoas. A partir daí, foram estabelecidas dinâmicas com debates de até duas horas de duração com cada grupo.
“Ouvimos pessoas com idades entre 18 e 50 anos das classes B e C. A pesquisa joga luz sobre um tema que muitas vezes parece não estar associado à realidade e às preocupações desse grupo. Mas concluímos que as pessoas se preocupam sim, só não sabem como resolver”, salienta Tatiana Roque..Um ponto de destaque do levantamento é a de que há hoje uma grande preocupação com a infraestrutura habitacional e com a melhoria da rede de saneamento. Lixo e esgoto são problemas levantados com frequência e espontaneamente. Os seguidos casos de geosmina na água também foram lembrados. Muitos lembram da Baía de Guanabara como um caso que evidencia a má educação do povo que joga lixo e polui, por um lado; e a ineficiência das políticas públicas, por outro – “Despoluição da baía de Guanabara há mais de 20 anos…é um case de fracasso”; “Baía de Guanabara é um lixo, quando eu era criança eu entrava. Hoje, sai com um braço a mais”..“Há um entendimento de que esses problemas são reflexos da falta de cuidado com a limpeza urbana e de uma política voltada a cuidar dos resíduos em geral, que são vistos como os principais motivos para a ocorrência de deslizamentos e alagamentos. Mas há pouca esperança de que o poder público resolva o problema e as soluções elencadas são individuais na maioria das vezes”, destaca Tatiana..A baixa fiscalização do Estado foi apontada, bem como a ausência de política habitacional. O consumo individual é superdimensionado como capaz de ajudar a resolver questões ambientais. A dimensão da desigualdade socioeconômica é forte: ainda que haja percepção de que a chuva atinge a todos, as condições para cada família proteger a si e a seus bens é desigual. Além disso, há entendimento de que famílias ricas podem restituir-se de seus bens, enquanto os pobres ficarão desprovidos de tudo..
A responsabilidade pelas mudanças climáticas é mais do indivíduo do que de instituições públicas e empresas. Essa é a percepção com o maior número de menções feitas pelas pessoas entrevistadas pela pesquisa “Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Econômico: Percepções da População da Região Metropolitana do Rio”, realizada pelo laboratório Conexão do Clima. Depois dos consumidores, as indústrias são mais citadas como causadoras das alterações no clima. O agronegócio foi apontado pouquíssimas vezes.
A percepção majoritária sobre as causas das mudanças climáticas está relacionada ao consumo e a hábitos individuais. “O pior é o homem: induz consumo, ninguém se preocupa, quer comprar um carro melhor, quer conforto, não se preocupa em como se produz as coisas, vai comprando…”, disse um homem com idade entre 35 e 50 anos ouvido pela pesquisa.
Para uma entrevistada pelo estudo, o problema é a educação. “Falta consciência…a gente compra compulsivamente. Eu adoro comprar em bazar, brechó, não uso copo descartável. E se eu não consumo o produto, a fábrica não precisa produzir”, afirmou a mulher com idade entre 35 anos e 50 anos.
O objetivo desta pesquisa qualitativa foi relacionar esse tema com questões econômicas. Nota-se um descompasso entre a percepção da complexidade e da abrangência dos problemas e a aposta em soluções micro-individualizadas. Há uma responsabilização mediana do Estado e das empresas, mas baixa expectativa de que esses atores solucionem o problema. As principais “saídas” apontadas são individuais, sem pensar em mudanças estruturais do modelo de desenvolvimento econômico: manejo de resíduos, consumo consciente e empresas sustentáveis; mas também infraestrutura habitacional e infraestrutura de saneamento.“Concluímos que é preciso territorializar o debate climático e ambiental, aterrissar as questões, torná-las mais palpáveis e relacionadas com os problemas quotidianos e com o modelo econômico, que não é visto como relacionado às questões ambientais e climática. Essas ainda têm algo de etéreo e abstrato diante de urgências cotidianas”, diz Tatiana.
Uma parte significativa do grupo de entrevistados afirmou que adota medidas para reduzir os impactos do consumo no meio ambiente. Foram citadas, majoritariamente, iniciativas relacionadas ao descarte de lixo e à prática do consumo consciente.
No entanto, foi identificado que a maioria das pessoas ouvidas demonstraram desconhecimento sobre como pressionar as instituições públicas e privadas para que ajam frente à crise climática. “Eles não veem nem por onde começar. Há um descompasso da percepção da gravidade do tema e o que eles podem fazer sobre isso”, disse Tatiana Roque, coordenadora do Fórum, durante a apresentação da pesquisa.
Para Ana Toni, a emergência climática ganhou espaço na sociedade: “Antigamente era quase como um ‘luxo’ falar em meio ambiente, hoje em dia já entrou para a discussão social”.
Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, analisou que o tema das mudanças climáticas “preocupa, mas não mobiliza”. Segundo ela, a estratégia de comunicação dos movimentos ambientalistas é falha, porque não consegue apresentar à população maneiras de agir ou de a convidar para a ação. “Temos que estar atentos às diferentes audiências, descobrir como nos comunicar com cada uma”, disse.
A diretora executiva do Instituto Sociedade e Clima acrescentou que seria importante para a causa ambiental que os temas do cotidiano fossem aproveitados para aproximá-la das pessoas. “Há um potencial grande de comunicar que a gente não aproveita. Diversos problemas se relacionam às mudanças climáticas como os aumentos dos preços da energia e dos alimentos, por exemplo”.
Já Fábio Scarano, professor de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ, avaliou que o fato de não ter acontecido algum fato ambiental semelhante no passado atrapalha a compreensão das pessoas no presente. “Essa fase é estranha, porque não conseguimos enxergar o que vem depois”, explica. “A maneira como a emergência climática está posta dá a sensação de derrota, que a gente já perdeu”.
De acordo com a pesquisa, os desastres naturais como enchentes e deslizamento de terra foram os mais lembrados pelas pessoas entrevistadas como fenômenos causados pelas mudanças climáticas. Casos como os ocorridos em Petrópolis, Minas Gerais e Bahia foram muito citados. “Ao mesmo tempo em que há a percepção de que a chuva forte e as enchentes são problemas antigos, desde a época de Dom Pedro, a maioria identifica que esses fenômenos estão mais recorrentes”, destacou Tatiana Roque.
As falas das pessoas ouvidas pela pesquisa confluem na avaliação de que a população mais pobre é quem mais sofre com os desastres naturais, uma vez que costumam viver em locais com menos infraestrutura e contam com menos recursos para enfrentar os desafios impostos pelas tragédias. “No que toca as enchentes é que notamos uma brecha para promover um maior engajamento político para que haja cobrança do poder público por soluções”, explicou Tatiana Roque.
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