– Uma crônica de Alexandre Palmar (H2Foz) –
O complexo turístico do Marco das Três Fronteiras (Foto: divulgação)
Um homem com orgulho danado da sua origem. Veio ao mundo numa localidade com nome muito bonito, Fidelândia, um distrito do município de Ataléia, na região de Teófilo Otonio, em Minas Gerais. O “muito bonito” é por conta do amor mineiro pela sua terra. Mas seu peito estufa ainda mais ao lembrar-se do trabalho exercido com retidão ao longo de anos. Ele deu vida às pedras do Marco das Três Fronteiras.
Nascido em 21 de março de 1954, Bento Pereira dos Santos cresceu na roça, onde aprendeu a fazer de tudo um pouco, como alimentar os bichos, carpir a perder de metro, arar o terrão, semear, irrigar e colher. Após anos no campo, resolveu mudar-se para o Paraná. Em 16 de maio de 1978, assinou a carteira pela primeira vez, aos 24 anos de idade, numa cerâmica em Santa Terezinha de Itaipu. Cortava tijolo.
Lá muito tempo não ficou porque se desentendeu com o patrão por causa do atraso num vale sem justa causa. Soube então que a Prefeitura de Foz do Iguaçu estava contratando gente como ajudante de serviços gerais. Eram apenas três vagas. Não pensou duas vezes e partiu pra fronteira. Na segunda-feira, 2 de abril de 1979, começou na operação de caminhões de lixo. Nessa época, também suou à beça como gari, varredor e roçador de vias públicas.
Com o passar do tempo, em 1986 surgiu a oportunidade de ser deslocado para trabalhar na manutenção do Marco das Três Fronteiras, lembra o servidor então lotado no DRM (hoje Departamento de Serviços e Manutenção). Morador do Profilurb desde quando chegou a Foz, Bento viu na oferta a chance de ficar mais perto de casa.
— O Joel, meu feitor no DRM, falou: “O Bento é uma pessoa de confiança. É só explicar o trabalho que precisa fazer, não precisa ficar cuidando dele. Manda ele lá pro meio do mato. Ele vai cuidar de tudo direitinho”. E assim foi. Como não ia até a Vila Portes para bater o cartão, eu mesmo preenchia minha folha do ponto. As pedras
Marcos das Três das Fronteiras antes da revitalização – Foto: Acervo “O Marco tem História”
Quando Bento aceitou o desafio, iniciou uma relação com um ponto histórico de Foz. O Marco das Três Fronteiras foi inaugurado em 20 de julho de 1903, na confluência dos rios Paraná e Iguaçu, fixando o limite territorial com Paraguai e Argentina. O obelisco foi construído em pedra e cimento, em forma de um triângulo equilátero e pintado com as cores nacionais.
Apesar de ser uma atração turística, o poder público deixara a manutenção do espaço em segundo plano. Sua conservação era feita, dentro dos limites, pela empresária Maria Claudina.
Juntamente com os seus familiares, ela manteve no local uma loja de suvenir, restaurante, entre outras atividades, que atenderam turistas e visitantes ao longo das últimas cinco décadas.
O lavrador de Fidelândia tinha novamente uma área imensa para cuidar, compreendida desde a via que liga a Avenida General Meira ao atrativo, bem como o estacionamento, mirante, praças e bancos, pátio e redondezas (incluindo o Espaço das Américas). Permaneceu ali como servidor público de 1986 a 2005. Depois continuou prestando serviço como particular, numa segunda jornada de trabalho, até 2014.
Seu Bento: “…Ficava de croca, usando uma faquinha de serra pra cortar a vegetação incrustada no paralelepípedo e deixar as pedras tinindo de limpinho” (Foto: A. Palmar)
— O meu trabalho consistia em varrer tudo e juntar o lixo do pátio e do gramado para o caminhão buscar. Depois eu cortava o mato. Eu levava 12 dias para ceifar o matagal com uma gadanha. E ficava de croca, usando uma faquinha de serra pra cortar a vegetação incrustada no paralelepípedo e deixar as pedras tinindo de limpinho.
Essa era a rotina dele. Quando terminava o serviço, já era hora de começar de novo. Só anos mais tarde, começou a usar a máquina dois tempos, a gasolina. Para quebrar o cinza das pedras, ele plantou dezenas de mudas de pau-brasil, palmeira, castanha, coqueiro, ipê-roxo, peroba e goiabeira, que hoje embelezam ainda mais o ambiente e fazem sombra aos turistas.
De quebra, tirava fotos dos visitantes e dava informações aos turistas, como a origem dos marcos do Brasil, da Argentina e do Paraguai; e a posição geográfica dos rios Paraná e Iguaçu em relação à Itaipu e Cataratas. Volta e meia falava do marrom das águas, ora mais sujas, ora clarinhas. Só não gostava quando os guias de turismo exageravam nas histórias dizendo que em época de cheias a água chegava até o mirante no marco.
Seu trabalho não parava por aí. Bento também assumiu a tarefa de pintar o Marco das Três Fronteiras. A dona Maria, a senhora do restaurante, comprava latinhas de tinta a óleo verde, amarela, azul e branca para dar vida ao obelisco. Às vezes era preciso inclusive restaurar a base feita de tijolo e massa de concreto.
— Um dia falei: “Dona Maria, vamos pintar o marco”. Acho que era 1990. Ela perguntou se eu conseguiria. Respondi que sim, que se “Deus quiser e abençoar, eu vou conseguir e não vou cair”. Coloquei uma escadinha de madeira e subi. Pintava tudo em menos de um dia. E assim foi indo. Graças a Deus nunca aconteceu um acidente. A cada um ano e meio era feita uma pintura para deixar o marco com as cores vivas da bandeira nacional. Gato nem vê!
Aposentado, dedica boa parte do tempo para pescaria no Paranazão
Bento começou a trabalhar ainda criança na roça. Aos 24 anos de idade assinou carteira. Em 1989, já tendo estudado até a quarta série, prestou concurso público para ser efetivado na Prefeitura de Foz. Como o período na lavoura não contou na Previdência, precisou completar 35 anos de serviço formal para conseguir a aposentadoria, em fevereiro de 2014.
— Queriam me aposentar com benefício de 981 reais, mas aí eu reivindiquei os tantos anos de insalubridade e conseguiu aumentar um pouco o valor para um pouco mais de mil reais por mês. Embora aposentado, aos 62 anos de idade, ainda faz bico de jardineiro na casa de alguns conhecidos para completar o rendimento ao fim de cada mês.
Atualmente, ao visitar visitar o Complexo Turístico Marco das Américas, revitalizado pelo Grupo Cataratas S/A, Bento se emociona ao lembrar sua relação com o atrativo histórico:
— É o lugar onde trabalhei. É como se fosse um paciente doente que ajudei a cuidar. Hoje fico feliz em ver o atrativo bem cuidado e cheio de vida.
Casado há mais de 40 anos com Maria da Conceição de Souza, 58, cozinheira do Colégio Três Fronteiras, e pai de cinco filhos, ocupa o tempo para cultivar outra paixão: pescar… Pesca sentado nas pedras da barranca do Paranazão; jamais de barco (diz temer morrer afogado). Quando dá sorte, o pescado vai direto pra frigideira.
— Peixe nosso, gato nem vê!
Mas essa outra história é bem mais embaixo.
Alexandre Palmar é jornalista em Foz do Iguaçu, onde edita o portal H2Foz
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.