– Um conto de Silvio Campana –
Rosário deixou no trato com ele esse jeito odiento de não se falar mais das coisas, com medo que possam saber. Prefere correr o risco de que o seja de maneira torta e deturpada. Pepe não é santo, mas também não tem porque pagar pelo que não fez. Tirando a velha, reduze-se aos dois, mais Papi e Papacho, aqueles que tinham, por conta da pequena história, a real dimensão de que se havia feito algo insano. A verdade é que naquele dia, às sete, saíram todos em busca do começo dos fatos. Cada um a seu jeito. Ela, banho tomado, os olhos inchados pelo choro da véspera, acenou insistentemente da janela da casa. Foi só ouvir o barulho do carro e já estava a postos, debruçada na janela em oposição ao muro que sustenta a pequena garagem. E de lá, pedia que lhe dessem lugar na excursão. Pararam o carro, deixaram o pé da velha para fora calçando a porta, enquanto procuravam adaptar um espaço no carro para que Rosário, a filha, também fosse junto. Ainda de ré, o marido que saía para o trabalho, emparelhou o dele com o de Pepe. Baixou o vidro, fez o sinal da cruz, e agradeceu por tudo aquilo. Desculpou-se pela necessidade de cuidar de seus negócios intransferíveis naquela manhã e brincou com o Papacho que, afinal, vizinhos são mesmo como parentes. Em seguida, deu uns trocos pra esposa, recomendou cuidado na aduana e seguiu em frente. A morena quarentona terminou por embarcar em silêncio. Não deu nenhuma sugestão, nem foi contra nada. Então, agora, ela não pode dizer que a mãe merecia coisa melhor.
SilvioCampana é jornalista. Texto publicado na revista Escrita 45.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.