– Um conto de Italo Calvino –
Aconteceu-me uma vez, num cruzamento, no meio da multidão, no vaivém. Parei, pisquei os olhos: não entendia nada. Nada, rigorosamente nada: não entendia as razões das coisas, dos homens, era tudo sem sentido, absurdo. E comecei a rir. Para mim, o estranho naquele momento foi que eu não tivesse percebido isso antes. E tivesse até então aceitado tudo: semáforos, veículos, cartazes, fardas, monumentos, essas coisas tão afastadas do significado do mundo, como se houvesse uma necessidade, uma coerência que ligasse umas às outras. Então o riso morreu em minha garganta, corei de vergonha. Gesticulei, para chamar a atenção dos passantes e – Parem um momento! – gritei – tem algo estranho! Está tudo errado! Fazemos coisas absurdas! Este não pode ser o caminho certo! Onde vamos acabar?
CALVINO, Ítalo. Um general na biblioteca. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. 2.ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Ítalo Calvino, escritor italiano, 1923 – 1985.
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