Meteu a alça do embornal na cabeça do arreio, fincou o pé no estribo e tocou. Ainda havia uns semitons escuros de nuvens preguiçosas emperradas no céu da Serra da Venturosa. Vestígio da chuva que amainara de repente, como de pronto viera. Minguando, minguando, ia desaparecendo o chuá volumoso da enxurrada que se desmantelava, perdendo aos piparotes a sua impetuosidade. Miríades de folhinhas humildes se desfaziam em cristais brilhantes. Num ipê debulhado em ouro, os corvos negríssimos nele pousados escancaravam o par de asas. Aqui e ali, o vento fresco enxugava as folhas verdes das árvores que deitavam pingos d´água no chão. A natureza inteirinha se renova em trabalho. Num rasguinho de estrada, pedaço do varzedo, ia ele trotando a passos largos numa mula firme e aguentadeira. Cigarro de palha a fumegar no canto da boca, olhos pregados na estrada e a cabeça baforando cismas. Passo lerdo, força dobrada, a mula ia vencendo a Venturosa, morro bastante espigado. Nasce pouco baixo, manso de início, vai pouco a pouco se empinando. Morro cheio de pedras num trecho, sombrio e úmido noutro. Espicaça-se aqui, tortuoso à frente. Vai indo até que se perde num espigão.
________________________________________ Aluízio Palmar é escritor e jornalista em Foz do Iguaçu. Conto publicado originalmente na revista Escrita, edição 48
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